Título: BC da cautela
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 29/12/2005, Economia, p. 22

Em seu último relatório de inflação de 2005, o Banco Central misturou um certo otimismo com a atividade a seu bom e velho gradualismo monetário. Ao mesmo tempo em que prevê 4% de expansão para o PIB em 2006 (contra 3,5% esperados pelo mercado), o documento define como ¿cautelosa¿ a política que garantirá o cumprimento da meta de inflação de 4,5% no próximo ano. No discurso do BC, há quem enxergue um viés político adequado ao ano eleitoral e os que vêem excesso de confiança na recuperação da economia.

Após a leitura do relatório de ontem, que terminou por complementar a ata do Copom, divulgada na semana passada, consolidou-se entre os analistas a certeza de que, em janeiro de 2006, a Selic vai cair somente meio ponto percentual. De cara, o BC chama a atenção para a redução dos juros básicos em 1,75 ponto percentual nos quatro últimos meses, depois de uma alta de 3,75 pontos a partir de setembro de 2004.

Além disso, mantém firme sua posição de que a retração de 1,2% da economia no trimestre passado foi pontual. Deveu-se à alta dos juros, mas também à queda da confiança de consumidores e empresários, ao ajuste dos estoques da indústria e às condições climáticas desfavoráveis na agropecuária, diz o relatório de inflação.

Para o Departamento Econômico do Bradesco, está claro que o BC não planeja ampliar o ritmo de queda dos juros. A própria ata da semana passada já sugeria que, se a atividade econômica se recuperasse neste quarto trimestre ¿ como esperam os seis membros do Copom que votaram pelo corte de 0,5 ponto em dezembro ¿ a ¿velocidade ótima¿ da queda dos juros seria outra queda idêntica na reunião de janeiro.

Só a repetição do resultado frustrante no PIB poderia levar à aceleração da queda dos juros básicos, na avaliação do Bradesco:

¿Se houver alguma frustração com o crescimento do PIB no início de 2006, então, diante de expectativas de inflação na meta, o BC pode acelerar o corte de juros. Esta é a única possibilidade de uma aceleração do corte.¿

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acompanha o raciocínio da equipe de Octavio de Barros, do Bradesco. Para ele, as simulações do BC deixam claro que a inflação em 2006 só convergirá para a meta a partir do segundo semestre. Com isso, diz, está descartado o corte de 0,75 ponto em janeiro.

Ainda assim, os analistas não vêem incoerência entre a austeridade monetária e a estimativa otimista para o PIB em 2006. Eustáquio Reis, do Ipea, chama a atenção para o aumento dos gastos públicos no ano eleitoral, uma contribuição forte ao crescimento. Por outro lado, diz, 2006 será particularmente bom para o controle da inflação, em razão do reajuste menor esperado para os preços administrados:

¿ No último ano de governo, é prudente o BC jogar um jogo neutro e não pôr água fria nas expectativas do governo. Por isso, faz sentido falar em inflação na meta e PIB de 4%.