Título: A demagogia sindical do PFL
Autor: ELIO GASPARI
Fonte: O Globo, 17/11/2004, Opinião, p. 7

Triste papel o do PFL. O oportunismo oposicionista aliou-o às centrais sindicais que pretendem restabelecer uma tunga sobre o salário dos trabalhadores. Fez exatamente aquilo que acusava o PT de fazer: para atrapalhar o governo, faz o contrário do que prega. Nesse lance estão os senadores José Agripino e José Jorge. É provável que o PSDB vá pelo mesmo caminho.

As centrais se mobilizaram contra o que chamam de regulamentação ¿arbitrária¿ das ¿cobranças das contribuições confederativa e assistencial dos trabalhadores brasileiros.¿ O português enrolado da reclamação exprime mal o que está acontecendo.

Todo trabalhador brasileiro trabalha um dia por ano para manter a máquina sindical. Em 2004 essa arrecadação chegará a R$ 800 milhões. Além desse dinheiro os sindicatos cobravam diversas taxas. Em alguns casos, uma, em outros, até quatro. Segundo o Ministério do Trabalho, esses descontos somam pelo menos 25% de um salário mensal. Graças às repórteres Cláudia Rolli e Fátima Ferandes, sabe-se que o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Papel de Aparecida do Norte e Guaratinguetá (uma categoria de 200 trabalhadores, dos quais só 27 são sindicalizados) toma o equivalente a 36% de um salário de suas vítimas. Para quem ganha o piso da categoria (R$ 682) a mordida anual fica em R$ 268.

Pela retórica das centrais, fica a impressão de que alguém quer proibi-las de cobrar esses dinheiros. Falso. Amparado em assembléias, é direito da guilda cobrar dos trabalhadores sindicalizados (um em cada cinco). Também é direito do sindicato arrecadar contribuições de todos os trabalhadores que tenham aceito a cobrança. O que se lhes nega é a competência de cobrar sem que o cidadão tenha concordado expressamente em pagar.

Até bem pouco tempo o sindicato tomava esse ervanário nas folhas de pagamento dos trabalhadores. Quem discordasse deveria mandar uma carta ao sindicato, desobrigando-se do pagamento. O que ocorreu foi uma inversão. Em vez de se obrigar o trabalhador a pedir uma dispensa, obriga-se o sindicato a ir buscar a adesão dos contribuintes. Ou seja, em vez de se meter primeiro a mão no bolso dos outros, para conversar depois, conversa-se primeiro e recolhe-se o dinheiro depois.

Os sindicatos sustentam que essas contribuições são uma contrapartida de serviços prestados. Em certos casos essa é uma rica verdade. Os metalúrgicos e os petroleiros acabam de negociar dissídios vantajosos para as categorias, com aumentos reais de 4% a 6%. Sendo esse argumento verdadeiro, os sindicalistas podem recorrer à mobilização de suas categorias. Se o sindicato não confia no discernimento dos trabalhadores, por que razão os trabalhadores haveriam de confiar no discernimento dos sindicatos? Quando o fortalecimento de um sindicato depende da mobilização e da consciência dos trabalhadores, ganham todos. Arrecadação automática, como a do Imposto de Renda, ou o IPI do cigarro, é o sonho do pelego.

As reclamações das centrais, graciosamente encampadas pelo PFL, são um aperitivo da reforma sindical que o governo cozinha em Brasília. A máquina de empulhação oficial repete que a mudança acabará com o imposto sindical. Verdade. Deixam de mencionar que criarão outro confisco, com outro nome. Pior: o novo confisco equivalerá a dois ou três dias de trabalho anuais. Vão tirar o bode. No seu lugar colocarão um elefante e a escumalha ficará obrigada a alimentá-lo.