Título: A vida no Centro
Autor: ALFREDO SIRKIS
Fonte: O Globo, 30/12/2005, Opiniao, p. 7

Em uma noite foram vendidos os 668 apartamentos oferecidos pelo empreendimento Cores da Lapa, numa faixa de preço entre R$80 mil e R$140 mil. Foi um acontecimento significativo. Sinaliza a expansão do uso residencial no Centro do Rio, atraindo, aproximadamente, dois mil moradores novos de classe média.

Em dezembro de 2000, numa reunião com a nata do empresariado da construção civil carioca, foi anunciado que a prioridade seria a revitalização do Centro e o estímulo ao seu uso residencial. Avisei que, se eles não se animassem, iríamos trazer investidores de fora do Rio.

Assim foi. A Hines construiu a Torre Almirante; um grupo paulista, o novo Hotel Íbis Fórmula-1, da praça Tiradentes; a turma do Tom Brasil, de São Paulo, a Sala Vivo Rio, no MAM; a Racional Engenharia e a Hines, o novo Centro de Convenções da Cidade Nova; outros, paulistas e portugueses, preparam-se para fazer grandes investimentos na área portuária, e a Klabin Segal acerta na mosca com Cores da Lapa.

Futuramente, a história da revitalização do Centro do Rio irá definir seus marcos: um deles certamente será esse imenso terreno, por tanto tempo "micado", que foi da cervejaria Antártica, entre as ruas Mem de Sá e Riachuelo.

O Centro tem três eixos com forte potencial residencial: a Av. Beira-Mar, o corredor Lapa-Cruz Vermelha-Fátima-Catumbi-Cidade Nova e a área portuária. Os prédios da Beira-Mar, na sua origem, foram residenciais, ocupados por uma classe média alta e valorizados pela proximidade com o Palácio Monroe (antigo Senado), a embaixada americana e o aeroporto Santos-Dumont.

Foram depois ocupados por escritórios, mas aposto que voltarão a atrair uma classe média profissional, vinculada às atividades do Centro e ao eixo Rio-São Paulo. Nas proximidades haverá, em breve, dois novos hotéis, o aeroporto Santos-Dumont reformado e a sala de música popular Vivo Rio, do grupo Tom Brasil, que está construindo o anexo previsto no projeto original do MAM, do arquiteto modernista Afonso Eduardo Reidy. O eixo da Lapa à Cidade Nova nunca deixou de ter moradia, mas sofreu um esvaziamento que agora, a partir do boom da Lapa e da rua do Lavradio, do Rio-Cidade da Rua do Riachuelo e do empreendimento Cores da Lapa, deve se desdobrar. Ali, um ponto de estrangulamento a ser removido, urgentemente, seria a transferência do Instituto Médico-Legal (IML), cuja presença atormenta, há muito tempo, a vizinhança.

Quanto à área portuária, cuja revitalização já começou pela Gamboa, com a Cidade do Samba, a Vila Olímpica e o Favela-Bairro da Providência, o uso residencial deverá se mesclar com o cultural, de entretenimentos, e o comercial, no perímetro do Cais até o Armazém 6, Praça Mauá, Sacadura Cabral e Rua do Livramento. Da mesma forma que se devem misturar usos compatíveis, é preciso promover a diversidade social. O primeiro passo é qualificar a área, atraindo a classe média, pois é ela que formará a "massa crítica" necessária para dinamizar a economia local.

O Centro dá ao Rio sua identidade histórica, cultural, sua raiz urbana. É o bairro indispensável. Brevemente voltará à moda viver no Centro. Quem viver verá.

ALFREDO SIRKIS é secretário de Urbanismo da Prefeitura do Rio.