Título: Ano da cura
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 30/12/2005, Economia, p. 20

A atividade econômica pagou parte da conta, é verdade, mas o sucesso da política antiinflação do Banco Central foi inequívoco. Nove elevações seguidas da Selic, a partir de setembro de 2004, trouxeram praticamente para o centro da meta uma inflação que, no início do ano, ameaçava esbarrar em 8%. Os problemas com a safra agrícola combinados à alta de 60% nos preços do minério de ferro deterioraram as estimativas para o IPCA. Agora, 2005 se despede com a taxa sob controle e os IGPs nos menores níveis já registrados, abrindo caminho para um ano bom na inflação.

Ontem, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou o resultado de dezembro do seu IGP-M, indexador da energia elétrica e de contratos de aluguel, internet e TV a cabo. Foi a sexta deflação registrada pelo indicador este ano: -0,01%. Com isso, a variação em todo 2005 foi de 1,21%, idêntica à registrada em um só mês (abril) de 2004. A comparação dá a medida do que o Brasil deixou para trás e convida à reflexão sobre o que se deseja pela frente.

O próximo ano nasce com a possibilidade de ser o mais fácil em termos de combate à inflação, desde a ruptura com as bandas cambiais e da adoção do sistema de metas de inflação, em 1999. Os Índices Gerais de Preços (IGPs), pela primeira vez desde aquele ano, prometem contribuir em vez de ameaçar o controle da inflação. O próprio BC, no relatório de anteontem, reviu a estimativa de alta para os preços administrados em 2006: de 5,3% para 4,6%.

Boa parcela desse resultado tem a ver com a queda dos IGPs este ano - grande parte devido ao dólar menor - e seu impacto no reajuste de tarifas, como energia elétrica e telefonia, especialmente as que são corrigidas no primeiro semestre. Para se ter uma idéia, em março e abril de 2005, o IGP-M ficou em 0,85% e 0,86%, respectivamente. Em 2006, a variação nesses dois meses deverá ser de 0,34% e 0,40% - sem falar nos resultados também menores de janeiro e fevereiro. Assim, no fim de abril, o IGP-M estará, em 12 meses, em 0,22%.

- O problema dos IGPs é que eles são tipo "forno-geladeira". Três meses depois, o IGP-M já deve estar acumulando 2%. Isso servirá para outros reajustes, como a energia em São Paulo - relativiza Luís Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC/Brasil.

Entre outros fatores que poderão ajudar no controle da inflação em 2006 estão combustíveis e transportes coletivos. A gasolina e o gás de botijão não devem subir no ano novo; o próprio BC trabalha com essa perspectiva. As passagens de ônibus não costumam subir em ano de eleição, artimanha populista mas bem-vinda quando o que está em jogo é o comportamento dos preços. Na contramão, estariam os serviços, especialmente se a recuperação da renda continuar. Os alimentos sempre podem surpreender - para cima ou para baixo.

Alexandre Maia, da GAP Asset, está superotimista para 2006. Para ele, o quadro "nunca foi tão bom para o médio e o longo prazo". Ele estima aumento de 4% nos preços administrados e de até 5% nos livres.

- A meta nunca foi tão possível. Em 2005, por exemplo, os preços livres vão fechar em 4,5%. Se mantiverem este patamar, será fácil alcançar a meta. Não será preciso fazer qualquer movimento de desinflação dos preços livres (via aumento dos juros). A menos que haja algum choque de petróleo ou político - diz.

Em condições normais, o Brasil está às portas de um ano em que a inflação não deve preocupar. O BC prevê IPCA de 3,8% em 2006, abaixo da meta de 4,5% e, portanto, com espaço para a política monetária parar de torturar o PIB.