Título: Defesa eficaz
Autor:
Fonte: O Globo, 31/12/2005, Opinião, p. 6

Oepisódio do convite cancelado do Vaticano à cantora Daniela Mercury fez retornar ao debate a questão do uso da camisinha como proteção contra a disseminação da Aids (além de meio de controle da natalidade). A doença é, de fato, um problema de imensas proporções, sobretudo na África, onde está provocando tamanha devastação que já fez encolher a economia de diversos países. O programa brasileiro de combate à Aids tem sido apontado como exemplar em todo o mundo, mas aqui também não se pode relaxar: se já há tratamento, não há cura; por isso é essencial continuar a concentrar todos os esforços na prevenção.

E nisso a camisinha desempenha papel fundamental. O Estado, que não pode ter como função emitir julgamentos religiosos, precisa continuar assegurando a distribuição dos preservativos e esclarecendo sobre o seu uso. Pode-se considerar natural que a Igreja defenda a abstinência sexual como o meio mais seguro de evitar a Aids, e provavelmente com toda a razão. Mas se a posição da Igreja está fora de discussão, deve ficar igualmente acima de qualquer contestação a separação entre Igreja e Estado, e este deve zelar pela saúde de todo cidadão, não importa que religião (ou nenhuma) ele professe.

Simplesmente não é realista esperar que a abstinência, como forma de precaução, venha a ser adotada universalmente. Pretender que isso tenha alguma chance razoável de acontecer é adotar a pior posição possível, pois equivale a propor que se baixe a guarda ante o mais perigoso dos inimigos.

Os próprios avanços na busca de tratamento da Aids, que conduziram à descoberta de eficaz combinação de drogas, o chamado coquetel, provocaram um certo e preocupante retrocesso, ao induzir a uma compreensível mas equivocada atitude de descuido. Por isso, está mais do que na hora de se retomarem com todo o vigor as campanhas pela prevenção. E nelas deve ser central o esclarecimento a respeito do uso dos preservativos como defesa da saúde.