Título: FALTA DE DIÁLOGO LOTA JUIZADOS ESPECIAIS
Autor: Natanael Damasceno
Fonte: O Globo, 01/01/2006, Economia, p. 28

Bancos, empresas de energia e de telefonia estão entre as empresas mais acionadas na Justiça em 2005

Neuza Marinho Solares, cliente do banco Itaú, teve um talão de cheques extraviado há dois anos. Apesar de tê-lo sustado, seu nome foi inscrito em instituições de proteção ao crédito há alguns meses por causa de um dos cheques. Procurado pela cliente, o banco disse apenas que não tinha responsabilidade pelo episódio, mas ela não se satisfez. E na falta de um canal de negociação com a empresa, procurou a Justiça para limpar seu nome. Casos como esse, em que a incapacidade das empresas de dialogar com os clientes impede uma solução negociada dos impasses, continuam se refletindo nos tribunais dos juizados especiais.

Um levantamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) mostra que os mais descontentes são os clientes das empresas de serviços públicos e da área financeira. Das dez empresas mais acionadas nesses tribunais no período de 1º de janeiro a 31 de outubro de 2005, duas são do setor elétrico, três são operadoras de telefonia e cinco são da área financeira. Pelo terceiro ano consecutivo, a Telemar assume a dianteira com 16% dos 300.190 processos distribuídos entre janeiro e outubro de 2005. É seguida pela Ampla, com 20.718 ações; pela Vivo, com 12.898; pela Light, com 9.499; e pela Claro, com 9.498.

Segundo Flávio Citro, juiz auxiliar da corregedoria do TJ-RJ, as estatísticas também mostram que cada vez mais os bancos estão sendo levados pelos clientes aos tribunais.

¿ Embora o setor de serviços ainda esteja na dianteira, as instituições financeiras preocupam porque têm um volume de clientes considerável sem, no entanto, manter uma política eficiente de atendimento ao consumidor. Tudo vira processo. Sejam os juros abusivos, sejam as reclamações sobre problemas que levam à inclusão indevida nos cadastros de Serasa ou Banco Central ¿ afirma o juiz, que é o responsável pelo levantamento.

Citro conta que, por causa dessa participação crescente no ranking, o TJ-RJ criou uma estratégia para diminuir a demanda dos clientes bancários pela Justiça: o projeto da Plataforma Móvel de Conciliação, que antecipa audiências e tenta um entendimento entre as duas partes.

O Itaú, que aparece em sexto lugar na lista com quase o dobro de processos registrados em 2003, alega que o fato de ter uma grande base de clientes no estado estaria influenciando sua posição no ranking. O banco também afirma que boa parte dos problemas não existiria se os clientes se comunicassem mais com os bancos. Como exemplo, cita os casos dos que deixam de movimentar suas contas e acabam surpreendidos por cobranças inesperadas. Quanto ao caso de Neuza, o banco reconheceu que poderia ter tentado uma solução na agência, mas afirma que entrou em contato com a cliente para tentar resolver a situação.

O Banco do Brasil também diz que o grande número de clientes no estado justificaria a posição na lista do TJ-RJ e afirma que, independentemente disso, tem tomado uma série de medidas para reduzir o número de processos na Justiça.

Assim como os demais, o Bradesco afirma que tem trabalhado para melhorar sua relação com os clientes. Além disso, alega que cerca de 60% dos processos levados ao juizado especial são julgados improcedentes.

Telemar encabeça a lista, mas ações têm diminuído

Segundo o juiz Flávio Citro, a Telemar é outra empresa que preocupa o TJ. Por causa disso surgiu outro projeto para tentar diminuir a chegada de processos aos juizados especiais:

¿ As reclamações vão de problemas com os planos de expansão aos vícios do serviço. Há ainda as queixas pela falta de identificação dos pulsos, que devem diminuir com a obrigatoriedade de discriminá-los. Com tanto problema, criamos o projeto Expressinho, que ajudou a diminuir o número de ações contra a empresa ¿ conta o juiz.

A Telemar diz que está trabalhando para melhorar o atendimento e afirma que o número de notificações recebidas entre janeiro e outubro diminuiu cerca de 20% em comparação ao mesmo período de 2004. A empresa também afirma que, com cinco milhões de linhas no estado, possui um percentual inferior a 0,1% de ações na Justiça se considerada sua base de clientes no Rio.

De acordo com o levantamento, as empresas do setor elétrico, que foram acionadas por cobranças indevidas e por corte do fornecimento sem aviso prévio, tiveram uma ligeira diminuição no número de ações. Já as operadoras de telefonia celular, cujas disputas envolvem, em sua maioria, a contestação dos valores cobrados, tiveram um aumento considerável no número de clientes insatisfeitos.

A Ampla contesta as estatísticas do TJ-RJ e diz que o número de ações nos juizados especiais no ano de 2005 é de apenas 17.583. Segundo a empresa, isso corresponde a 0,85% do total de clientes da empresa no Estado do Rio. A Ampla afirma também que a queda no número de ações em relação a 2004 é conseqüência dos investimentos realizados em 2005.

A Vivo afirma que tem investido nos serviços e lembra que mantém há dois anos uma Ouvidoria para aproximar institucionalmente a empresa do consumidor.

Já a Claro afirma que entre agosto e outubro o número de ações no TJ-RJ caiu 33% e que isso é conseqüência da série de medidas tomadas para aumentar o grau de satisfação dos clientes.

O Unibanco e o Fininvest, assim como a Light, procurados pelo GLOBO, não comentaram sua posição no levantamento do TJ-RJ.