Título: `O PT vai sangrar muito¿
Autor: Toni Marques
Fonte: O Globo, 02/01/2006, O País, p. 3

Lula pede, no `Fantástico¿, que quem o acusou se desculpe, `quando terminar tudo isso¿

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva acha que o PT terá de sangrar muito este ano para recuperar a credibilidade ferida pelo escândalo do mensalão. E que aqueles que o acusaram de ter responsabilidade perante o que aconteceu no Congresso e em seu próprio partido vão ter de lhe pedir desculpas. Em entrevista dada ao apresentador do ¿Fantástico¿ Pedro Bial, exibida pela TV Globo ontem, Lula várias vezes se negou a emitir opinião sobre fatos comprovados pela imprensa e pelas investigações das CPIs criadas a partir das denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Disse que só vai se pronunciar após a conclusão das investigações, mas não evitou as críticas a seu partido:

¿ O PT cometeu um erro... um erro que é de uma gravidade incomensurável ¿ disse ele. ¿ Todo mundo sabe, e sabe o PT hoje e sabe quem cometeu os erros, que o PT cometeu um erro que será de difícil reparação pelo próprio PT. O PT vai sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com uma credibilidade que ele conquistou ao longo de 20 anos.

Lula pareceu tranqüilo na maior parte dos cerca de 37 minutos de entrevista, apesar de o entrevistador ter insistido em perguntas sobre o escândalo do mensalão. Mas o presidente repetiu várias vezes que tudo depende da conclusão das investigações pelo Ministério Público e de eventuais condenações judiciais.

¿ Tudo que está sob investigação, naquilo que depender do governo, naquilo que depender da polícia federal, naquilo que depender de ações administrativas, será feito a ferro e fogo ¿ disse ele. ¿ Tudo aquilo que depender do Ministério Público tem autonomia para fazer e o Poder Judiciário. Depois desse processo todo é que todos nós, você, eu e quem está nos assistindo, vamos poder dizer ¿é verdade ou não era verdade¿.

Nesse momento da entrevista, Lula disse que exigirá de quem o acusou um pedido de desculpas:

¿ Com relação à minha pessoa, a única coisa que eu peço a Deus é que, quando terminar tudo isso, aqueles que me acusaram peçam desculpas. Só peço isso. Não quero, não quero nada mais do que isso. Peçam desculpas. Porque também a leviandade tal como ela é feita muitas vezes... ela tem um preço. E eu acho que é precipitado, errado fazer qualquer julgamento precipitado da pessoa.

Ele chegou a sorrir algumas vezes, como quando disse que a Petrobras terá auto-suficiência em petróleo este ano, e quando Pedro Bial lhe perguntou se o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, traiu o presidente. A resposta a esta pergunta foi aquela em que Lula se mostrou mais enfático.

¿ Eu me sinto traído porque alguns companheiros meus fizeram práticas que não condiziam com aquilo que era a história do PT. No caso do Zé Dirceu, diferentemente do Delúbio, que assumiu a responsabilidade, o Zé Dirceu ainda não definiu seu processo ¿ disse ele.

Lula mais uma vez deixou em suspense seu destino quanto à eleição presidencial. Disse que só se decidirá em meados do ano.

¿ A minha preocupação neste instante não é com reeleição. A minha preocupação neste instante é que eu tenho um ano para governar esse país. Eu tenho muita coisa para fazer no Brasil este ano e eu não estou nem um pouco preocupado com problema eleitoral. Se na hora que for decidir, lá para o meio do ano, chegar à conclusão que eu possa ser candidato porque interessa às forças políticas que me apóiam eu ser candidato, eu também não tenho nenhum problema.

A seguir, algumas das respostas dadas pelo presidente, apresentadas conforme os tópicos das perguntas de Pedro Bial.

REELEIÇÃO: ¿No Brasil, em primeiro lugar, tem muita coisa para acontecer. Eu, como disse agora há pouco, eu não defini se sou candidato. Não tenho pressa de definir. Vai depender de muitas conversas com os partidos. Vai depender de muita conversa com gente da sociedade. Você sabe que eu tenho uma tese sobre a reeleição. Se eu decidir ser candidato, obviamente que eu vou decidir ser candidato, vou comunicar à nação brasileira. Se eu decidir que não sou, sabe... Ou eu estarei tomando posse ou eu estarei passando a faixa para alguém que ganhou as eleições. A única coisa de que eu tenho certeza de dizer ao povo brasileiro é que 2006 será o ano do povo brasileiro, porque está tudo engatilhado, está tudo preparado, está tudo armado para que o Brasil tenha um forte crescimento, uma forte distribuição de renda, muito emprego para esse povo e quem sabe a gente construir junto o Brasil que sonhamos há muito tempo construir.¿

CPIs: ¿Nem poderia ler (quando lhe perguntaram se havia lido o relatório parcial da CPI dos Correios). O presidente da República tem informações dos relatórios pelos meus assessores, mas eu estou esperando é o relatório conclusivo da CPI. Porque o que conta na verdade é quando você tiver um relatório consagrado. Terminou a CPI, o relatório está pronto, vai ser encaminhado ao Ministério Público. A Polícia Federal vai entrar em ação. O Poder Judiciário vai entrar em ação. Aí sim, esse relatório é que vale para uma avaliação definitiva do presidente da República. Os relatórios parciais ainda vão passar por outras comissões, ainda vão ser julgados pela própria CPI. Aí, quando ele estiver pronto, aí eu tenho um documento final para poder fazer juízo de valores desse documento.¿

PT: ¿Primeiro, o PT cometeu um erro... um erro que é de uma gravidade incomensurável. Todo mundo sabe ¿ e sabe o PT hoje e sabe quem cometeu os erros ¿ que o PT cometeu um erro que será de difícil reparação pelo próprio PT. O PT vai sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com uma credibilidade que ele conquistou ao longo de 20 anos.¿

REFORMAS: ¿A minha parte eu cumpri. Nós criamos um Fórum Nacional do Trabalho em que participaram empresários, trabalhadores e o governo. Apresentamos uma proposta que está no Congresso Nacional. Eu não posso bater escanteio e marcar o gol ao mesmo tempo. Eu enviei o meu processo ao Congresso Nacional que eu espero que ele vote. A reforma trabalhista, eu acho que ela precisa ser feita. Ser feita da forma mais madura possível para que a gente possa adequar o Brasil ao século XXI. Agora, ela não pode ser uma imposição de um grupo sobre outro. Ela tem que ser um acordo, em que leve em conta as necessidades do Brasil. É para isso que nós trabalhamos. E por isso que eu digo que não haverá medida populista, que eu não tomarei nenhuma atitude, nenhuma, nenhuma atitude que signifique "ah, o presidente está fazendo isso aí por causa da eleição". Eu vou fazer o que tem que ser feito no Brasil. O Brasil consolidou e é isso que eu peço que o povo brasileiro acredite.¿

JOSÉ DIRCEU: ¿Se há indícios (de tráfico de influência), tem que ter uma investigação séria, e que eu quero que ela seja feita para o Zé Dirceu como eu quero que ela seja para mim, como eu quero que ela seja feita para você. E, na hora em que a gente tiver a investigação feita corretamente e o veredito, aí você fala: `Bom, esse cidadão cometeu uma heresia, por isso, esse cidadão tem que ser punido¿. Isso vale para todos nós. O que eu quero dizer é que o processo de julgamento do Zé Dirceu... a Câmara tem independência para fazer isso. Também não é a primeira vez e nem será a última que vai cassar alguém. A CPI... ela vai ter que apresentar à nação brasileira um resultado que possa justificar todo o trabalho que a CPI fez até agora. E, para mim, se a CPI precisa de mais um mês, mais dois meses, mais outro mês, é um problema da CPI. Não é um problema meu. O meu papel nesse momento é cuidar deste país.¿

COLHEITA: ¿Você colhe no tempo que dá. Eu não escolho o tempo em que eu posso colher. Quando você começa uma obra em 2003, você não a termina em 2003. Quando você começa uma hidrelétrica, você demora cinco, seis anos para colher. Quando você começa uma ferrovia, você demora para colher. Quando você começa a plantar no tempo certo, você colhe no tempo certo. Algumas coisas nós colhemos, outras não. Eu vou dar um exemplo para você. Na política social, nós já colhemos muita coisa e temos muito para colher. Nós pegamos o governo com R$7 bilhões em política social. Este ano de 2005, terminamos com R$17 bilhões e, para 2006, serão R$22 bilhões investidos em política social. É por isso que o estudo do IBGE divulgado pela Pnad dá que, pela primeira vez na História, os mais pobres tiveram um ganho como não tinham há muito tempo. E, embora o salário não tenha crescido tanto o que eu gostaria que crescesse, a verdade é que é o momento em que ele mais cresce na História do Brasil. Depois, três milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza deixaram de viver abaixo da linha da pobreza. Então, nós vamos fortalecer mais política social. Esse é um dado de uma coisa que nós estamos colhendo. Outra coisa que nós vamos colher é o nosso programa de investimento em educação. Nós estamos construindo quatro universidades federais novas. Nós estamos transformando cinco faculdades em universidades. E estamos fazendo 32 extensões de universidades federais para o interior do país. Estamos levando uma universidade para o ABC, estamos levando para Diadema, levando para Sorocaba, estamos levando para o Nordeste e para o Norte inteiro, que é para que o Brasil comece a pensar que ele deve ser um grande exportador de inteligência e de conhecimento e não apenas de produto manufaturado ou matéria-prima. (...) Então, por que eu não vou colher as coisas que nós plantamos? Nós vamos colher, e eu quero, como presidente da República, ir aos locais em que eu fui anunciar que ia fazer... Eu quero ir lá colher agora o que eu plantei.¿