Título: Empenho eleitoral
Autor: Maria Lima, Isabel Braga e Luiza Damé
Fonte: O Globo, 03/01/2006, O País, p. 3

Com mais R$2 bi para emendas parlamentares, governo supera marca de FH em 2001

Os mais de R$2 bilhões de emendas de parlamentares ao Orçamento de 2005 empenhadas pelo governo nos dois últimos dias do ano não foram suficientes para atender à pressão da base aliada e da oposição, que continuam insatisfeitas. O empenho significa a autorização do governo para que o gasto seja efetuado. Pelos dados registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), até as 15h do dia 31, somente no mês de dezembro foram empenhados R$7,8 bilhões do total de R$17,3 bilhões autorizados para investimento durante todo o ano ¿ de janeiro a dezembro.

Como os ministérios só conseguiram gastar, de fato, R$5,9 bilhões do Orçamento de 2005, o governo Lula terá R$13,5 bilhões já liberados para investimentos neste início de ano, independentemente da aprovação do Orçamento da União de 2006. São R$11,4 bilhões de 2005 e R$2,1 bilhões de anos anteriores não gastos até agora ¿ os chamados restos a pagar. Isso tudo somado aos recursos de investimentos previstos no Orçamento de 2006, que ainda está sendo votado.

Em 2005, R$10,3 bi desembolsados

De acordo com o balanço feito pelo site da ONG Contas Abertas, que tem acesso aos dados do Siafi, os investimentos empenhados somente neste mês de dezembro superam, em valores nominais, os R$7,2 bilhões autorizados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 2001. Em comum na decisão dos dois governos, a proximidade das eleições, quando é grande a pressão dos aliados ¿ e até da oposição ¿ para liberação de verbas para seus redutos eleitorais.

O economista Gil Castelo Branco, responsável pelo balanço dos empenhos no Siafi no site Contas Abertas, explica que, somados aos restos a pagar de anos anteriores, a União desembolsou em 2005 R$10,3 bilhões, o maior valor anual de investimentos pagos em todo período do governo Lula. Essa cifra já é superior ao total de investimentos de 2003, que foi um dos mais baixos dos últimos anos, R$5,2 bilhões; e de 2004, R$9,1 bilhões.

Um dos líderes da obstrução à votação do Orçamento de 2006, o deputado Heráclito Fortes (PFL-PI) não tem mais do que reclamar. Ao fim de uma guerra pessoal, conseguiu garantir o empenho das emendas de bancada do Piauí , no valor de R$8,9 milhões, para compra de duas escadas magirus para o Corpo de Bombeiros de Teresina.

¿ Agora o Orçamento vai começar a andar. Eu avisei que precisavam tratar bem o Piauí. Pessoas do governo estão me ligando para saber se está tudo bem. Eu disse que mais ou menos ¿ contou Heráclito, esperando ver o dinheiro liberado, de fato.

Líderes aliados ainda reclamam

Líderes da base, como Mário Negromonte (PP) seguem insatisfeitos.

¿ Nem todas as emendas de bancada foram contempladas. Ficou muita coisa de fora e há uma irritação geral na bancada. Essas emendas de bancada são para obras estruturais nos estados e agora só se o governo liberar através de créditos suplementares ¿ queixou-se Negromonte.

A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) também continua irritada com o governo porque não conseguiu garantir a liberação de suas emendas individuais. Segundo ela, eram emendas do Ministério da Ciência e Tecnologia que garantiam verbas para a inclusão digital nas escolas.

¿ O governo não cumpre o que promete, não tem o menor respeito pelos parlamentares. O que estou entendendo é que estas liberações de última hora foram para atender a ele mesmo e não aos parlamentares. Para mim o jogo está zerado. Vamos sentar e ter uma discussão muito séria quando recomeçar a discussão do Orçamento de 2006 ¿ avisou ela.

O Ministério de Relações Institucionais está levantando as emendas parlamentares que foram empenhadas nos últimos dias de 2005 para identificar se procedem ou não as reclamações de deputados e senadores que não tiveram os pleitos atendidos. Segundo o ministro Jaques Wagner, em reunião pela manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou que as reclamações sejam analisadas.

¿ Estou consciente das reclamações, mas é preciso saber as que procedem ou não. As justas vamos tentar recompor ¿ disse Jaques Wagner, acrescentando que as emendas foram empenhadas de acordo com planejamento feito com governadores e ministros.

O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ) anunciou que entra na próxima semana no STF com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra as medidas provisórias editadas pelo governo semana passada para remanejar verbas e liberar gastos.

¿ Vamos apresentar as ações contra a MPs e denunciar tudo isso durante a votação em plenário ¿ explicou o líder pefelista.

Segundo ele, a liberação das emendas mostra a forma discriminatória como o governo tratou os parlamentares da base aliada e da oposição. Pelos cálculos feitos por ele na semana passada, o governo liberou entre 75% e 80% das emendas da base aliada.

¿ O governo fez colchão para começar o ano sem Orçamento e nas emendas para estados e municípios atuou de forma claramente discriminatória, privilegiando a base aliada.

A Comissão Mista de Orçamento volta a se reunir somente no dia 17 para discutir os relatórios setoriais.