Título: DESVIOS DE VERBA
Autor:
Fonte: O Globo, 03/01/2006, Opinião, p. 6

Ainda que a Secretaria estadual de Saúde tenha toda a razão quando afirma que cada real que é aplicado em saneamento básico permite economizar no setor de saúde, é inadmissível que essa equação seja apresentada como explicação para a falta de investimentos nos hospitais. O mesmo tipo de argumento inaceitável, aliás, já foi usado pelo governo federal para inflar o Bolsa Família.

Mas o fato é que o cidadão que busca atendimento na rede pública não quer saber quanto se está aplicando na rede de esgotos ou na compra de tubos para o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara: quer ser, e tem o direito de ser, atendido.

A prioridade com que o saneamento é tratado em detrimento da saúde, aliás, encontra uma ilustração que seria irônica, não fosse dramática, no vazamento de esgoto no centro cirúrgico do Hospital Pedro II, em Santa Cruz, que há pouco mais de um mês obrigou ao cancelamento de cirurgias.

A escandalosa precariedade dos hospitais não foi suficiente para que o estado deixasse de investir este ano, até setembro, mais de R$450 milhões na saúde ¿ aplicações aliás exigidas por lei. Não que não houvesse recursos: dinheiro existia, mas foi empregado, entre outros programas, no Restaurante Popular e no Cheque Saúde Cidadão (R$91 milhões), na Farmácia Popular (R$26,9 milhões) e em juros do financiamento do programa de despoluição ¿ por sinal, de resultados, até hoje, pífios.

Semelhante ao sofisma de que o investimento em saneamento permitirá economizar recursos na saúde é o outro argumento do governo estadual, de que cuidar de questões como a alimentação popular é equivalente a investir em saúde, porque evita que a população mais carente fique doente.

Enquanto isso, pacientes com problemas renais crônicos ¿ que, como se sabe, não melhorarão se forem bem alimentados, no restaurante a um real ou onde quer que seja ¿ não recebem medicamentos com a regularidade de que necessitam, e nos hospitais em estado de abandono tornaram-se rotina elevadores parados e carência de tudo ¿ de médicos, de remédios, de leitos e até de macas. É o resultado desse empedernido descaso das autoridades estaduais.