Título: AMBIENTE DESFAVORÁVEL
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 04/01/2006, O País, p. 4

Desta vez o presidente Lula pode dizer, com toda propriedade, que nunca antes na História do Brasil um presidente fez o que ele fez: acaba de quebrar um recorde, o de emendas parlamentares liberadas no último mês do ano: R$7,8 bilhões, contra a marca anterior de R$7,2 bilhões de Fernando Henrique, em 2001. Os dois fatos têm em comum terem acontecido em vésperas de ano eleitoral. Este ano também deverá ser marcado por uma redução importante da pobreza, em decorrência de um fato já dado: o aumento real de 9% do salário-mínimo em 2005. Na proposta de Orçamento para 2006 que está no Congresso, o mínimo deve passar para R$350, o que representará aumento real de 11%.

O resultado de um aumento sobre o outro deve provocar um efeito semelhante ao que aconteceu em maio de 1995, logo após a implantação do Plano Real, quando o governo Fernando Henrique deu um aumento real para o salário-mínimo de mais de 22%, que foi responsável por cerca de 40% da queda da pobreza registrada na ocasião, devido ao impacto direto do salário-mínimo na vida do país.

Ano eleitoral é mesmo assim. As três maiores quedas de pobreza acontecidas no Brasil nos últimos 25 anos se deram em 2002, 1994 e 1986. Fora 2002, os dois outros foram anos também de planos econômicos bem-sucedidos, que levaram os governos a grandes vitórias eleitorais, o Plano Real em 94 e o Plano Cruzado em 86. E aí começa a diferença.

Em 2002, apesar de ter liberado esse dinheirão todo no dezembro anterior, e de ter promovido uma queda na pobreza devido à rede de proteção social que criou, Fernando Henrique não foi capaz de eleger José Serra seu sucessor. Havia no país um anseio por mudanças que Serra não incorporava, apesar de seu slogan ¿continuidade sem continuísmo¿.

Os que apostam na capacidade de Lula recuperar a popularidade perdida, especialmente na classe média, acreditam nos bons resultados da economia que o governo espera para este ano, na crença de que a máxima de James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton, esteja correta: ¿É a economia, estúpido¿, ele dizia para explicar a vitória de Clinton sobre George Bush, pai.

Mas tendo a concordar com os que acreditam que a situação econômica só influi decisivamente no resultado de uma eleição quando o país está em recessão, como era o caso dos Estados Unidos em 1991, ou quando a crise econômica é resolvida por um plano como o Real aqui no Brasil.

Em 1998, o então presidente Fernando Henrique amargava uma péssima situação no começo da corrida eleitoral, enquanto Lula desfilava com sua caravana da cidadania pelo país assolado por uma das piores secas dos últimos anos. No final, mesmo com a crise econômica que levaria à desvalorização do real no início de 1999, o eleitorado preferiu a estabilidade à mudança, e reelegeu Fernando Henrique no primeiro turno.

Hoje, as pesquisas eleitorais mostram que o desgaste da imagem do presidente Lula já vai longe, e a de seu governo vem se deteriorando mesmo antes da crise política que domina o país desde as primeiras denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson.

Já nas eleições municipais de 2004 o então presidente do PT, José Genoino, identificara como razão principal da derrota de seu partido a bem-sucedida campanha oposicionista para instalar no país um clima antipetista, baseado na acusação de que o partido é autoritário e não sabe fazer alianças políticas. Essa face petista se sobrepôs desde então à outra, a da paz e amor que marcou a campanha vitoriosa que levou Lula ao Palácio do Planalto e que, hoje se sabe, corresponde mais à criação do marqueteiro Duda Mendonça (pago pelo valerioduto em paraísos fiscais) do que à realidade petista.

O autoritarismo do PT estaria patente nas alianças políticas feitas a peso de ouro, e também em iniciativas para controlar a imprensa e as produções culturais com a criação de conselhos estatais. E em posições e declarações de ministros e líderes partidários, que deixariam à mostra uma face política radical que estaria apenas aguardando um bom momento para se manifestar mais claramente.

Hoje, há consolidado na opinião pública em relação ao governo, especialmente nas classes média e alta que votaram em Lula, a imagem de corrupção e ineficácia administrativa que tem nas estradas esburacadas o melhor exemplo. Além disso, há um temor de que o que seria o ¿verdadeiro PT¿ ainda venha a prevalecer num segundo governo Lula.

Ele mantém ainda preservada a identificação com os mais pobres, reforçada pela distribuição do Bolsa-Família, mas há um crescente sentimento de que não está preparado para exercer a Presidência da República, segundo pesquisa do instituto Ipsos divulgada no fim de semana.

Lula, na entrevista ao ¿Fantástico¿ no domingo, mostrou os pontos fracos que a pesquisa revela como os mais perceptíveis pela população: não ter preparo para ocupar o cargo; não cumprir o que promete; e não ter pulso forte/não ser decidido. E entre os pontos que eram fortes e estão desaparecendo, o Ipsos aponta: ter um passado limpo; ser inteligente; e ser ¿gente como a gente¿.

Na entrevista, sempre que confrontado com os fatos por Pedro Bial, um entrevistador educado e respeitoso, mas incisivo e firme, o presidente Lula não conseguia se sair bem, provavelmente porque não pode explicar certas coisas que aconteceram ao seu redor. Se for candidato à reeleição ¿ probabilidade ainda maior ¿, é previsível que Lula tentará não enfrentar as maratonas de entrevistas e os debates eleitorais que fizeram sua alegria na campanha de 2002. Naquela ocasião, qualquer coisa que dissesse era tida como verdade. Na próxima campanha, terá que se esforçar para convencer o eleitorado de que não sabia de nada. E que, mesmo assim, merece governar o país por mais quatro anos.