Título: ROTA DO FRACASSO
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Fonte: O Globo, 04/01/2006, Opinião, p. 6

Aeleição de Evo Morales na Bolívia pulverizou as dúvidas que pudessem restar sobre a guinada coletiva da América Latina para a esquerda ¿ acrescentando-lhe um floreio étnico. Essa reviravolta, com nuanças perigosas de populismo, é mais notável quando contrastada com as lembranças ainda vivas de um longo período de supressão da democracia no continente por generais que tomavam o poder invocando razões de segurança nacional e a necessidade de preservar a lei e a ordem.

Com a democratização, a América Latina foi tomada quase de imediato pela vaga do ¿neoliberalismo¿, nome pelo qual ficou conhecido o receituário de Washington para tirar a região do atraso secular em que vivia e conduzi-la à prosperidade material de que os EUA talvez fossem o exemplo mais conspícuo e invejado. Mas por uma série de motivos ¿ o principal deles que muitas reformas liberalizantes não foram completadas ¿ as desigualdades no continente continuaram uma marca da região. Isso em que pesem avanços na modernização econômica, como ocorreu no Brasil, país que também é exemplo das dificuldades para se completar esse ciclo de reformas.

Nos últimos anos, Argentina, Brasil, Equador, Peru e Uruguai elegeram governantes de esquerda. Ricardo Lagos deverá eleger seu sucessor no Chile, e tudo indica que os mexicanos seguirão a tendência nas eleições de julho do ano que vem. A Venezuela também está inclinada para a esquerda mas, apesar da fanfarra e das fanfarronices do presidente Hugo Chávez, é um caso mais ambíguo do que a retórica populista oficial quer fazer crer.

Trata-se, no entanto, de movimento mais uniforme e coeso na repulsa do que nos objetivos. Que haverá de comum entre os socialistas chilenos e as esquerdas uruguaias? Ou, descontadas as simpatias pessoais, entre os governos de Chávez e Lula? Em países de forte presença indígena, como Peru e Bolívia, o impulso esquerdizante tem um elemento de rebeldia contra a dominação dos descendentes de europeus. Em geral, nota-se um antiamericanismo míope e uma admiração cega por Fidel. Na pior hipótese, essa combinação poderá levar jovens democracias da região a um duplo suicídio: o rompimento com os EUA, o maior mercado do mundo, e a repetição do colossal fracasso de Cuba.