Título: Integração pelo gás
Autor: Flavia Oliveira
Fonte: O Globo, 04/01/2006, Economia, p. 20

Quando a Europa se depara, em pleno inverno, com o risco de falta de gás em razão do embate entre Rússia e Ucrânia, a América do Sul desenha sua integração no setor energético. Será na segunda quinzena deste mês, em Caracas, a primeira reunião do grupo de trabalho designado pelos governos de Venezuela, Brasil e Argentina para discutir a construção do chamado Gasoduto Bolivariano. A Petrobras integra a equipe técnica brasileira e já tem pronta uma avaliação do projeto, incluindo uma proposta do trajeto do gás.

A estatal entrou nas discussões sobre o gasoduto no primeiro semestre do ano passado, durante um seminário do qual participaram Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da Petrobras, e Eulogio Delfino, diretor da PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo. Em junho, ficou pronto o primeiro diagnóstico, que considerou viável a construção do gasoduto, que sairia da Venezuela e cruzaria o Brasil até chegar à Argentina.

A Venezuela, que detém as maiores reservas de gás da região, tem interesse no projeto para se integrar definitivamente aos vizinhos sul-americanos e para desenvolver seu interior. A Argentina, onde o gás é parte importante da matriz energética, precisa de novas fontes da matéria-prima. Por isso o passo inicial do gasoduto foi a assinatura, em novembro de 2005, do acordo de cooperação entre os presidentes Hugo Chávez e Néstor Kirchner.

No mês seguinte, durante a 29ª Cúpula do Mercosul, foi a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aderir ao projeto. O Brasil é parte obrigatória nas negociações, porque o gasoduto não pode atravessar os Andes, onde há abalos sísmicos, explica Darc Costa, ex-vice-presidente do BNDES e consultor da área.

O estudo de viabilidade da Petrobras prevê que o gasoduto transportaria 150 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Isso equivale a um milhão de barris de petróleo diários, o que representa metade do consumo de Brasil e Argentina juntos e cinco vezes o volume que a Bolívia nos fornece atualmente. Dois terços do gás vindo da Venezuela ficariam no Brasil; o restante iria para os argentinos. Há ainda a intenção de interligar a estrutura ao gasoduto Bolívia-Brasil e de fazê-la chegar ao Chile, ao Peru, ao Uruguai e ao Paraguai.

¿ Por isso, esse projeto estrutura energeticamente o continente sul-americano ¿ diz Darc Costa.

Ildo Sauer calcula que o gasoduto proporcionaria uma economia anual de até US$10 bilhões em gastos com petróleo. Com isso, em dois anos, afirma, o projeto estaria economicamente pago. O valor do investimento, segundo a Petrobras, varia de US$18,3 bilhões a US$22,6 bilhões, se acompanhar o traçado do mapa abaixo. Num primeiro desenho, em que o gasoduto desceria até Manaus, o custo estimado chegaria a US$25,8 bilhões.

¿ O projeto é viável. Não há banco que não queira financiá-lo ¿ diz Sauer.

Pelo desenho atual, o gasoduto atravessaria as principais províncias minerais do Norte e supriria as deficiências energéticas do Nordeste, especialmente Maranhão, Piauí e Ceará, e do Centro-Oeste. A construção, prevista para durar de meia a uma década, geraria 570 mil empregos por ano.