Título: Testemunha acusa Calazans
Autor: Alan Gripp e Carla Rocha
Fonte: O Globo, 17/11/2004, Rio, p. 15

As revelações de uma testemunha-chave vão fazer a temperatura subir hoje na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj). Em depoimento prestado à deputada Cidinha Campos (PDT) no dia 12, um homem apontado como integrante da máfia dos combustíveis, que teria sido vítima de dois atentados nos últimos meses, disse ter sofrido uma tentativa de extorsão por parte do deputado Alessandro Calazans (PV), dentro do gabinete. O testemunho, gravado em áudio e vídeo, complica a situação do parlamentar, acusado também de envolvimento numa suposta tentativa de extorsão contra o empresário do ramo lotérico Carlinhos Cachoeira, quando era presidente da CPI da Loterj. Procurado pelo GLOBO no fim da noite, Calazans informou, por sua assessoria, que só falará após ser informado oficialmente da denúncia.

Segundo a testemunha, cujo nome é mantido em sigilo, Calazans teria cobrado propina para a concessão de licença ambiental para o funcionamento de um depósito de combustíveis no estado. A fita será entregue hoje à tarde ao presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB). Cidinha, que ontem, durante entrevista coletiva, havia se recusado a informar o nome do deputado citado, acabou confirmando a identidade no início da noite, quando O GLOBO soube que Calazans estivera no gabinete da deputada.

¿ É ele (Calazans), mas só dou detalhes depois de entregar o material à presidência da Casa.

Comissão especial vai investigar o caso

Antes de saber o nome do parlamentar denunciado, Picciani já havia determinado a investigação das novas denúncias por uma comissão especial formada por três parlamentares. O grupo também investigará o deputado Domingos Brazão (PMDB), pela suposta ligação com integrantes da máfia do combustível. Picciani determinou que a comissão analise a partir de hoje os documentos que constam da denúncia contra Brazão, também feita por Cidinha, que acusa o colega de se beneficiar do esquema de adulteração de combustíveis no estado.

Em julho, Brazão nomeou para o seu gabinete o empresário Renan de Macedo Leite, preso pela Polícia Federal durante a operação Poeira no Asfalto e apontado como um dos chefes do esquema. Segundo a denúncia, nos três meses após a contratação de Renan, Brazão tornou-se sócio de três postos de gasolina no Grande Rio. Nas mesmas gravações que comprometem Calazans, a testemunha acusa Brazão de ser dono de postos de gasolina desde 1998, registrados em nome de laranjas.

Ao anunciar a abertura de investigação sobre o colega de partido, Picciani afirmou que a Alerj não será corporativista na apuração de denúncias contra deputados. Dois dos três integrantes da comissão especial são do PMDB (José Távora e Graça Mattos) e um do PT (Heloneida Studart).

¿ Não haverá nenhum tipo de precipitação, nem resquício de corporativismo. Não haverá denúncia que não será apurada. E da forma mais rápida possível ¿ disse.

Brazão disse não estar preocupado com a abertura de investigação e informou que processará Cidinha pelas denúncias:

¿ É chato. Infelizmente, a deputada pauta a vida dela com essas denúncias. Mas quem está na vida está sujeito a essas coisas. Não posso vulgarizar meus mandatos. Vou trabalhar e esquecer essa mulher.

Picciani também anunciou a exoneração de Renan, que, apesar de ser ou de ter sido sócio de pelo menos 13 empresas, recebia salário mensal de R$ 2.861 para exercer a função de assessor parlamentar. Picciani disse que a Mesa Diretora já havia decidido demiti-lo quando recebeu o mesmo pedido de Brazão.

No escândalo da CPI da Loterj, Calazans é acusado por Cachoeira de participar das negociações da suposta tentativa de extorsão que seria chefiada pelo deputado federal André Luiz (PMDB), para retirar o nome do empresário do relatório final da comissão. Segundo reportagem da revista ¿Veja¿, Calazans aparece numa fita negociando com um emissário de Cachoeira o pagamento de propina.

O caso levou a Corregedoria da Alerj a determinar uma investigação. De acordo com Picciani, na próxima sexta-feira o perito Ricardo Molina, da Unicamp, concluirá a perícia que confirmará se a voz nas gravações é mesmo de Calazans. Segunda-feira, a Mesa Diretora da Alerj anunciará o futuro do deputado, que poderá sofrer até um processo de cassação.

Patrimônio de deputados cresceu

Os três políticos envolvidos nas denúncias foram citados na série de reportagens ¿Bastidores do poder¿, que começou a ser publicada pelo GLOBO em junho deste ano. O levantamento revelou que 27 deputados do Rio aumentaram em mais de 100% seu patrimônio, de 1996 a 2001. A análise mostrou que quase 80% dos parlamentares tiveram algum crescimento patrimonial. Um desses casos é o do ex- office-boy Domingos Brazão, que em 2001 declarou ter um patrimônio de R$ 438 mil. Brazão teve em seu nome várias empresas e carros de luxo, como um BMW, além de ambulâncias para seu trabalho social.

André Luiz, que no período examinado era deputado estadual, aumentou o valor de seus bens em 735% em seis anos. Em 1996, ele tinha um patrimônio declarado de R$ 146 mil. Em 2002, sua declaração registrava R$ 1,2 milhão. Já Calazans passou de um carro e de dois telefones em 1997 para dois automóveis, além de R$ 100 mil em contas bancárias ao final de 2001. Comparando os dois anos, o crescimento é de cerca de 1.300%. Calazans é advogado e corretor de imóveis, mas não declara ter outro rendimento além do salário da Alerj. Na época, o deputado disse que apresentou uma declaração com erros ao TRE.