Título: A GRANDE FAMÍLIA DA JUSTIÇA NO SUL
Autor: Chico Oliveira:Francisco Oliveira
Fonte: O Globo, 06/01/2006, O País, p. 3

OAB gaúcha denuncia 68 casos de nepotismo cruzado entre TJ, MP e Tribunal de Contas

Com informações do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande do Sul, a seccional gaúcha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) denunciou ontem 68 casos documentados de nepotismo cruzado entre o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado. Na maior parte dos casos, esposas, irmãos, filhos e sobrinhos dos dirigentes de uma instituição foram contratados por uma das outras duas entidades para cargos em comissão, com salário médio de R$5.807, fora outras vantagens, acarretando custo da ordem de R$20 milhões anuais aos cofres públicos. Por esse esquema, desembargadores, procuradores e conselheiros trocavam cargos, procurando driblar a Constituição estadual, que desde 1995 proíbe a contratação de parentes de até segundo grau.

- Vou sofrer retaliações por ter dado vazão à denúncia do sindicato. Mas essa é uma função que tem ônus e bônus e terei que assumir isso. Se não o fizesse, não estaria honrando os votos dos advogados que me colocaram aqui - disse ontem o presidente da OAB gaúcha, Valmir Batista, ao divulgar o dossiê do Sindicato dos Servidores do Ministério Público, que inclui certidões de nascimento e casamento, contratos de trabalho e uma grande quantidade de documentos que não deixa dúvidas em relação ao escândalo.

MP tem até dia 13 para se enquadrar

Os documentos serão agora encaminhados ao Conselho Federal da OAB, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Este último órgão estabeleceu o próximo dia 13 como limite para que o Ministério Público se enquadre na norma do Conselho Nacional de Justiça que proíbe a contratação de parentes até terceiro grau.

- Se essas pessoas não forem demitidas até essa data, a lei permite que, como presidente da seccional da Ordem, eu ajuíze uma ação cível pública contra esses abusos. Cabe até uma ação popular, porque isso configura uma lesão grave aos cofres públicos. Há 40 mil inscritos para concursos e um grande número de aprovados aguardando ser chamados para as vagas que estão sendo ocupados por parentes de desembargadores, procuradores e conselheiros. Há jovens de 19, 20 anos, ganhando os valores dos cargos em comissão topo da carreira - afirmou Valmir Batista.

O atual presidente do Tribunal de Justiça, Osvaldo Stefanello, não tem parentes empregados, mas o presidente eleito, Marco Antonio Barbosa Leal, tem dois filhos que trabalham no Ministério Público. Já o procurador-geral do Estado, Roberto Bandeira Pereira, que tem o cargo máximo do Ministério Público gaúcho, tem a esposa trabalhando no Tribunal de Contas. O ex-procurador Cláudio Barros Silva também tem um filho empregado no Tribunal de Contas.

O presidente do Tribunal de Contas, o ex-deputado estadual Victor Faccioni, por sua vez, tem um filho empregado no Ministério Público. Vinte e cinco dos 125 desembargadores e sete conselheiros do Tribunal de Contas, incluindo o presidente, além de integrantes do Ministério Público, participam da troca de cargos que envolve esses órgãos.

Ao divulgar ontem as informações, o presidente da seccional da OAB também revelou que levantamento semelhante está sendo feito no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Contas. As novas informações, disse ele, serão divulgadas já nos próximos dias.

- Depois queremos verificar também a situação no interior. Acreditamos que há uma grande troca de cargos entre os executivos e as câmaras de vereadores. Pode ser um levantamento demorado, mas queremos esclarecer esta questão a fundo - prometeu o advogado Valmir Batista.

Em nota, TJ se diz contra resolução

Logo após a divulgação das denúncias o Tribunal de Justiça divulgou nota reiterando sua "posição institucional", que é a de "não reconhecer a legitimidade do Conselho Nacional de Justiça para modificar a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Isso porque o CNJ é um órgão administrativo e suas resoluções não se sobrepõem a uma constituição. A Constituição do Rio Grande do Sul, que veda a contratação até segundo grau, está sendo cumprida", destacou a nota.

É o mesmo que disse o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Osvaldo Stefanello, ano passado, sobre o assunto.

- O Conselho não tem legitimidade para legislar.

O Ministério Público também divulgou nota, informando que "todas as nomeações procedidas no Ministério Público obedecem aos princípios constitucionais e às vedações previstas na Constituição do Rio Grande do Sul e Legislação Federal e Estadual". Além disso, acrescentou a nota, "o Ministério Público, por decisão do Colégio de Procuradores de Justiça, decidiu acolher integralmente, no prazo estabelecido, as novas definições e comandos trazidos pelo Conselho Nacional do Ministério Público".

CONSELHO NACIONAL PROÍBE PRÁTICA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela fiscalização da atividade nos tribunais, aprovou no dia 18 de outubro de 2005 resolução que proíbe o nepotismo no Judiciário. Dentro de um prazo de 90 dias a contar da publicação do texto da resolução no Diário Oficial da Justiça, todos os parentes de até terceiro grau de juízes e servidores nomeados para cargos de confiança teriam de ser demitidos.

A decisão do CNJ também veta o nepotismo cruzado, prática que se configura quando um juiz nomeia o parente de um colega para ocupar cargo de confiança em seu gabinete em troca do mesmo favor.

Entre os parentes impedidos de assumir cargos de confiança estão cônjuges, pais, filhos, sobrinhos, netos e irmãos e também os chamados parentes por afinidade, como cunhados e genros.

Em dezembro, o CNJ abrandou a resolução, permitindo que ex-mulheres e pessoas nomeadas antes de 1988, quando não havia concurso público para esses cargos, continuem nos seus postos.

Para as novas contratações, a pessoa que tomar posse em cargo de confiança precisa redigir uma declaração negando ter parentesco ou ser casada com magistrado ou ocupante de função de direção.

Em novembro de 2005, o Conselho Nacional do Ministério Público também tomou decisão proibindo o nepotismo na categoria e deu prazo de 60 dias para as demissões.

Legenda da foto: MARCO ANTÔNIO Leal: dois filhos empregados no MP