Título: APURAR E NOTICIAR
Autor: Luiz Garcia
Fonte: O Globo, 06/01/2006, Opinião, p. 7

A imprensa brasileira está em alta perante seu público, a imprensa americana rolou despenhadeiro abaixo. Pode ser uma generalização excessiva, mas não falta quem tenha essa impressão, cá e lá.

Na presente e já longa temporada de escândalos políticos, é inegável que a turma de cá tem produzido uma cascata de denúncias de políticos contra políticos e contra sócios de políticos, fora as de ladronaços contra ladravazes, quase tudo confirmado por secretárias e intermediários diversos.

Nos Estados Unidos, a partir do 11 de setembro - com raras, embora notáveis, exceções - grande parte da mídia freqüentemente sacrificou a busca independente dos fatos no altar do patriotismo. Alguns já não fazem isso, como diversos analistas e repórteres de jornais sérios, por exemplo o "Washington Post" e o "New York Times". Mas as primeiras páginas e os noticiários de grande parte das redes de TV foram e continuam sendo acríticos e mesmo coniventes com o discurso patriótico - e, como o tempo tem mostrado, deslavadamente desonesto - da Casa Branca. E o mesmo clima dominou por muito tempo o Congresso americano.

Sente-se que a situação já começa a mudar - principalmente devido à justificada falta de otimismo sobre a situação no Iraque. Boa parte da mídia já pergunta mais, duvida mais, investiga melhor e, principalmente, menos se deixa manipular pela Casa Branca. Mas a recuperação do prestígio e da confiança da opinião pública é sempre processo longo e acidentado. Sem contar que a política oficial de manipulação da verdade continua em vigor.

Do lado de cá, não nos fará mal algum temperar a sensação de dever cumprido com uma saudável dose de autocrítica. Mesmo levando em conta a farta divulgação dos erros e delitos cometidos por Governo Lula & Associados, é preciso reconhecer: praticamente todas as trapalhadas vieram à luz porque políticos quiseram, na forma que lhes interessava, no momento que desejaram.

Não se discute que a mídia tem trazido à luz fatos e comportamentos que a opinião pública desejava e precisava conhecer. E comentaristas podem interpretar corretamente o que se passa, em artigos e editoriais.

Mas o comportamento é, quase sem exceções, reativo. Muito mais entrevistamos do que investigamos. Claro que é preciso ouvir quem tem algo a revelar, mas essa é apenas parte do ofício. Faz falta a informação crucial cavada por servir exclusivamente à opinião pública - e não oferecida gentilmente pelo político A para prejudicar o político B ou o partido C.

E onde se vê a aplicação rigorosa do saudável princípio de que a informação vinda de interessados deve ser usada apenas como ponto de partida para a apuração, jamais como notícia pronta e acabada? A maioria das acusações que têm cruzado os ares tem se revelado verdadeira. Mas isso não justifica deixar de trabalhar como se deve.