Título: MAIS UMA DÉCADA DE ESTAGNAÇÃO DO BRASIL
Autor: ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
Fonte: O Globo, 06/01/2006, Opinião, p. 7

O Brasil se vê seriamente ameaçado de perder, em termos de crescimento, a terceira década consecutiva. É o que podem sugerir o desempenho da economia no período 2000-2005 e as tendências que se descortinam para 2006.

Entre 2000 e 2005, a variação média anual do PIB total do país foi de 2,2% (no governo Lula, 2003-2005, foi de 2,6%). Estamos, pois, muito longe do esperado "espetáculo do crescimento". Ele ocorreu nas décadas de 1950 (expansão anual de 7,4%), 1960 (6,2%) e 1970 (8,6%). Ocorreu também no século XX como um todo, quando alcançou quase 5% anuais. Inexistiu, porém, na década mais perdida daquele século, os anos 1980, ao minguar para 1,6%, ficando abaixo da evolução da população (1,9%). E continuou baixo no decênio passado (2,6%).

O mundo vem desde os anos 1980 crescendo mais do que o Brasil. Quando medido em termos do PIB per capita, o desempenho brasileiro foi negativo na década de 1980: -0,37% anuais, com o mundial alcançando 1,3%; foi 1% nos anos 1990, comparado com 1,2%; e 0,8% neste século (até 2005), confrontado com 1,5%.

Em 2005, o PIB total do país não deve crescer mais que 2,5%. Já a economia mundial vai avançar 3,2%, a dos países mais ricos, 2,7%, as da China e Índia, emergentes como nós, acima de 9% e 7%, respectivamente. A própria América Latina (e Caribe) - que também vivenciou a crise dos anos 1980, mas se recuperou na década seguinte - cresceu 4,3% em 2005 - com a Venezuela e a Argentina evoluindo em torno de 9%, quase quatro vezes mais que o Brasil.

As tendências globais que se projetam para 2006 não são muito confortáveis. A economia mundial já reduziu o ritmo de expansão em 2005, relativamente a 2004, em quase 20%. Em parte porque o nível de produção começou a enfrentar limites de capacidade; em parte pela queda no poder de compra dos países importadores de petróleo. Para 2006, possíveis aumentos nas taxas de juros e nos preços do petróleo, associados a juros mais altos, poderão afetar a expansão econômica mundial em mais 10%, determinando crescimento econômico global de 3%.

Para o Brasil, circulam no mercado projeções de crescimento do PIB para 2006 entre 3% e 4%, bem menores que as feitas para 2005 em fins de 2004 (vive-se tempo de expectativas declinantes).

Não há dúvida de que a economia nacional tem potencial para tanto (e para muito mais). Esse potencial não vai, porém, realizar-se sob as atuais restrições. Será preciso calibrar melhor os objetivos macroeconômicos. E criar clima de negócios favorável à expansão mais acelerada da economia. Déficit nominal e dívida pública elevados, juros reais muito altos, contenção da massa salarial, política econômica com número mágico para a inflação como objetivo único não favorecem o crescimento.

Entretanto, tudo parece indicar que a transição de uma economia atada a tantos freios à produção e ao consumo para uma outra economia mais liberta e desembaraçada continuará sendo adiada. Ela demandará dos gestores da economia visão mais ampla, com objetivos múltiplos - entre eles o crescimento - sendo dinamicamente conciliados.

Mais que tudo, será necessário investir mais para competir melhor: tanto nas infra-estruturas, inclusive as urbanas (buscando a competitividade sistêmica), quanto na modernização da produção (visando à concorrência internacional). Na eficiência do Estado, caracterizado como instância de ações estratégicas ágeis e flexíveis, visando ao desenvolvimento. E na apropriação e no emprego eficaz, pela sociedade, do conhecimento como alavanca de progresso e inovação.

ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos.