Título: OS EUA E O PARAGUAI PRECISAM SE EXPLICAR
Autor: Waldemar Zveiter
Fonte: O Globo, 06/01/2006, Opinião, p. 7

O aqüífero Guarani é o maior manancial de água doce subterrânea do mundo, abarcando as fronteiras de vários países. Está localizado na região Centro-Leste da América do Sul e ocupa uma área de 1.200.000km¼, ou seja, equivale a mais de 10 por cento do território brasileiro.

Estende-se pelo Brasil (840.000 km¼), Paraguai (58.500km¼), Uruguai (58.500km¼) e Argentina (225.000km¼). Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (2/3 da área total), abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Esses dados geográficos tornam claríssima a importância estratégica do aqüífero, tornando-se ainda mais relevante numa época em que cientistas sociais e geopolíticos alertam para a crescente importância da água no mundo. Bem acima do petróleo, para o qual já começam a ser encontradas alternativas, a água doce do planeta poderá se constituir, a partir dos próximos vinte anos, um motivo de disputas entre nações, levando-os até à guerra por seu domínio.

Recentemente surgiram informações, a partir do noticiário da imprensa argentina, sobre a existência de um tratado que teria sido firmado entre o Paraguai e os Estados Unidos, pelo qual seria instalada exatamente na área do aqüífero uma Base Militar, que realizaria ali exercícios militares conjuntos, bem próximo às nossas fronteiras.

Segundo o "Clarín", da Argentina, o governo paraguaio permitiu o desembarque de 400 fuzileiros americanos, que devem permanecer no Paraguai até dezembro de 2006, realizando um total de 13 exercícios militares. Os soldados teriam recebido imunidade diplomática e não poderiam ser julgados no Paraguai por eventuais crimes.

Questionado através da Maçonaria Simbólica do Brasil, o embaixador paraguaio, Luis González Arias, respondeu que os exércitos do seu país e dos Estados Unidos realizam exercícios militares conjuntos e ininterruptos desde 1943, e que os mesmos não contemplam a instalação de uma base militar. Os exercícios militares, segundo ele, seriam iguais aos realizados também anualmente com o Exército brasileiro.

O diplomata foi enfático, mas, ao nosso ver, não convincente diante de uma questão tão importante. A realização de exercícios militares a partir de 1943 conflitariam com o fato de que, no mesmo ano, perseguidos pelas forças aliadas na Alemanha, milhares de nazistas escolheram justamente o Paraguai como refúgio.

Outro ponto a reparar é quanto à cooperação militar entre Brasil e Estados Unidos. Os militares brasileiros e norte-americanos realizam, sim, exercícios conjuntos, mas em alto-mar, a milhares de milhas da nossa costa, e não em nosso território, como estaria acontecendo no Paraguai.

A suposta instalação de uma base militar norte-americana na fronteira com o Brasil gerou polêmica no Congresso Nacional, porque despertou a natural preocupação dos deputados e senadores, intrigados com os termos da suposta cooperação assinada entre os Estados Unidos e o Paraguai.

Em documento entregue à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, a Chancelaria paraguaia assegurou que não há previsão para a instalação de uma base militar na região do Chaco. Além disso, garantiu que os soldados norte-americanos não teriam imunidades em território paraguaio.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com base no pacto do Mercosul, que estabelece regras para a convivência solidária e pacífica entre os países signatários, exigiu transparência por parte do Paraguai quanto ao falado acordo, deixando claro que o Brasil considera desnecessária e inaceitável a eventual instalação de uma base militar norte-americana no país vizinho.

As explicações diplomáticas oficiais ainda nos parecem vagas, aumentando nossas preocupações. As reações do Congresso e de nossa Chancelaria foram oportunas, mas, infelizmente, aquém da dimensão do fato, gravíssimo para nossa soberania. O acordo entre Paraguai e Estados Unidos pode ser atentatório, entre outros tratados, ao espírito do art. 15 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ainda ao texto do Acordo celebrado entre o Governo do Brasil e a Secretaria Geral da OEA para realização do "Projeto de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável do sistema aqüífero Guarani".

O governo brasileiro deve ser mais incisivo, cobrando diretamente dos Estados Unidos e do Paraguai explicações amplas, explícitas. Em todos os fóruns apropriados, o assunto deve ser tratado com alta prioridade, pois afeta a segurança nacional. Do ponto de vista estratégico, o aqüífero Guarani é muito importante para uma reação tão tímida dos nossos poderes constituídos, pelo menos até agora.

WALDEMAR ZVEITER é ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça

O governo brasileiro deve ser mais incisivo, pois o problema afeta a segurança nacional