Título: Vitória do unilateralismo
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 17/11/2004, O Mundo, p. 32

Apolítica externa unilateral do presidente George W. Bush deverá ser aprofundada com a nomeação, feita por ele ontem à tarde, da chefe do Conselho de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, para a Secretaria de Estado. Ela foi uma das principais figuras na arquitetura ¿ e autora do texto final ¿ da chamada Doutrina Bush, lançada em meados de 2002, na qual o poderio militar americano prevalece sobre a arte da diplomacia.

Essa doutrina define o conceito de soberania nacional de forma a permitir que os Estados Unidos invadam outros países sem levar em conta a opinião da ONU. Basta haver ¿uma coalizão dos que têm vontade¿ para que uma intervenção seja feita, diz um de seu trechos.

Ao anunciar a nomeação de Condoleezza, que completou 50 anos domingo passado, Bush fez um apelo ao Senado para que aprove a sua escolha o mais rapidamente possível porque ¿a nação precisa dela¿. E acrescentou:

¿ O Secretário de Estado é o rosto dos Estados Unidos para o mundo, e na doutora Rice o mundo verá a força, a graça e a decência de nosso país.

Pouco depois, um assessor da Casa Branca diria ao GLOBO que a palavra ¿graça¿ era a mais significativa daquela frase, pois sugeria uma mudança de tática e, ao mesmo tempo de estilo na política externa que deverá ser implementada, sem que a substância seja alterada:

¿ Haverá algumas mudanças táticas. Já existe a compreensão de que é preciso trabalhar para reparar relações com aliados, mas sem comprometer os nossos princípios. Haverá uma mudança de tom, mas nenhuma mudança fundamental nos princípios centrais ¿ disse a fonte.

Condoleezza, que estava ao lado de Bush quando este anunciou a sua nomeação à imprensa, retribuiu os elogios do presidente:

¿ Sob a sua liderança, os Estados Unidos estão lutando e vencendo a guerra contra o terrorismo ¿ disse ela, acrescentando que as guerras no Afeganistão e no Iraque estão ¿ajudando a plantar a semente da democracia no coração do mundo islâmico.¿

Corrida e missa todo dia com Bush

A perspectiva é de que o Senado de maioria republicana aprove a nomeação sem problemas. No entanto, Condoleezza deverá passar, antes, por um intenso interrogatório dos democratas sobre a invasão ao Iraque e a Doutrina Bush.

O relacionamento singular entre Condoleezza e Bush é o maior trunfo dela, que desde o início foi a tutora do presidente em política externa. Às vésperas de sua primeira eleição, ele chegou a confessar, numa entrevista, que tudo o que sabia sobre esse assunto era devido a ela. Condoleezza, por sua vez, disse em recente entrevista ao ¿New York Times¿ que o seu papel na Casa Branca era traduzir em política os instintos do presidente.

Solteira, costuma trabalhar até tarde e muitas vezes permanece conversando com o presidente, na ala residencial da Casa Branca, até pouco antes de ele ir dormir. Seus pais já morreram e os Bush são os seus amigos mais íntimos. Ninguém do governo passa mais tempo com Bush do que ela. Condoleezza faz ginástica diariamente com o presidente e com ele compartilha uma profunda religiosidade (seu pai era pastor presbiteriano). Nas tardes de domingo, ela se junta a ele para assistir a jogos de futebol americano na TV (na juventude, ela chegou a namorar um ex-jogador da liga dos EUA). Como vaidade, tem uma coleção de 200 pares de sapatos.

Ela freqüentemente passa fins de semana com Bush e a primeira-dama, Laura, na residência de Camp David e também no rancho do casal em Crawford. Os democratas costumam dizer, debochadamente, que ela na verdade é ¿a babá de Bush¿.