Título: A TRANQÜILIDADE DA ORDEM
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 07/01/2006, Opinião, p. 7

Por iniciativa do Papa Paulo VI foi instituída, em 1967, a celebração do Dia Mundial da Paz. Essa tradição foi mantida por João Paulo II e, agora, por Bento XVI. O texto, ora exposto, revela o zelo do pastor pelas ovelhas católicas e homens de boa vontade e tem por lema ¿Na Verdade, a Paz¿. A Mensagem para o dia 1ºde janeiro de 2006 tinha a data de 8 de dezembro e foi, oficialmente, apresentada ao público de todo o mundo em 12 de dezembro. Dirige-se o pastor supremo a todos os homens, pois a construção e a manutenção da paz paira acima de credos políticos e religiosos. Interessa à Humanidade inteira e pede a colaboração de todo ser humano.

O Papa João Paulo II, na mensagem para 2004, havia proclamado: ¿Enquanto resultados duma ordem planejada e querida pelo amor de Deus, a paz possui uma intrínseca e irresistível verdade própria e corresponde a um anseio e a uma esperança que vivem indestrutíveis em nós.¿

O Papa Bento XVI nos ensina que a paz é dom celeste e graça divina, que requer o exercício de nossa responsabilidade maior, que é a de ¿conformar (...) a história humana à ordem divina¿. A verdade da paz chama todos a cultivarem relações fecundas e sinceras. A verdade da paz deve fazer valer o seu esplendor benéfico de luz, mesmo quando nos encontramos na trágica situação de uma guerra. ¿Quanto ao direito internacional humanitário, deve ser incluído entre as expressões mais felizes e eficazes das exigências que derivam da verdade e da paz! Por isso mesmo, o respeito de tal direito impõe-se como um dever para todos os povos. Há que apreciar o seu valor e garantir a correta aplicação¿ (Mensagem de 2006, nº 7).

O Sumo Pontífice, no seu documento, trata do terrorismo: ¿Hoje em dia, a verdade da paz continua a ser comprometida e negada de uma maneira dramática pelo terrorismo, que, com suas ameaças e ações criminosas, é capaz de ter o mundo em estado de ansiedade e insegurança (...). E não é só niilismo, fanatismo religioso, hoje freqüentemente denominado fundamentalismo, que pode inspirar e alimentar propósitos e gestos terroristas¿ (idem nº 9).

Escrevia o Papa João Paulo II em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002: ¿Pretender impor aos outros com violência aquilo que se presume ser a verdade significa violar a dignidade do ser humano e, em última instância, ultrajar a Deus, de quem ele é a imagem¿ (nº 6). E no documento para o ano de 2006, lemos: ¿Bem vistas as coisas, o niilismo e o fundamentalismo relacionam-se de forma errada com a verdade: os niilistas negam a existência de qualquer verdade, os fundamentalistas avançam a pretensão de poderem impô-la com a força¿ (nº 10).

Um fato inquietante que chama a atenção neste dia dedicado à paz entre os povos é o aumento dos gastos militares e do próspero comércio armamentista, enquanto permanece atolado no pântano de uma indiferença quase geral o processo jurídico e político. Por ele responde a comunidade internacional para consolidar o caminho do desarmamento (nº 14).

Esta celebração anual tem por objetivo propor reflexões sobre o dever de contribuir para a paz e preservar, em nossa vida particular e social, a paz e a tranqüilidade. Nossos lares devem ser escolas para um aprendizado prático sobre a concórdia. Santo Agostinho descreveu a paz como tranquillitas ordinis¿ a tranqüilidade da ordem ¿ ou seja, aquela situação que, em última análise, permite respeitar e realizar cabalmente a verdade do homem.

Na conclusão, o Papa se dirige particularmente aos que acreditam em Cristo, renovando-lhes o convite a se tornarem discípulos do Senhor, fundamentados na paz e no mandamento do amor. E pede que ¿se intensifique a oração, porque a paz é primariamente dom de Deus¿ (idem nº16).

O texto nos exorta a que ¿com confiança e abandono filial, voltemos a olhar para Maria, mãe do príncipe da paz¿. No início deste novo ano, pedimos-Lhe que ajude todo o povo de Deus a ser, em cada situação, agente de paz, deixando-se iluminar pela verdade que nos torna livres (cf Jo 8,32).

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.