Título: AVES MORREM DE FOME À ESPERA DE SAÍDA PARA A EMPRESA AVESTRUZ MASTER
Autor: Leticia Lins
Fonte: O Globo, 07/01/2006, Economia, p. 23

Funcionários não recebem há 4 meses e têm de racionar sua própria comida

VITÓRIA DE SANTO ANTÃO (PE) e GOIÂNIA. Sem perspectiva de solução a curto prazo, a crise que atinge a Empresa Agrocomércio e Representações Avestruz Ltda levou a criação de 535 aves a uma situação dramática em Pernambuco: 17 avestruzes já morreram de inanição e os 518 ainda vivos dão sinais de fraqueza e estresse provocados pela fome. A administração da fazenda abriu uma cova para incinerar os animais, onde mais dois mortos foram jogados ontem.

Os 16 funcionários da fazenda da Avestruz Master ¿ como a empresa é mais conhecida ¿ denunciaram que também passam fome, pois estão com quatro meses de salário em atraso. Disseram que estão racionando a comida recebida por doações de cestas básicas de amigos de Recife. Segundo eles, a fome deles só não é maior do que a dos animais porque comem frutas existentes nos sítios onde residem.

A empresa teve as contas bloqueadas, os bens arrestados e aves apreendidas pela Justiça em novembro, a pedido de investidores preocupados com boatos de que a empresa teria falido. A Avestruz Master prometia lucros acima dos obtidos em aplicações bancárias para quem investisse na criação de avestruz. Os investidores compravam o filhote da ave com a garantia de recompra a preços maiores. Em março, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) havia multado a empresa em R$300 mil devido a essa promessa de rentabilidade, que, segundo o órgão, é irregular.

A Justiça de Goiás já determinou o desbloqueio das contas na tentativa de viabilizar o processo de recuperação da empresa. Na mesma decisão, tomada no ano passado, o juiz da 11ª Vara Cível de Goiânia, Carlos Magno Rocha da Silva, suspendeu o arresto dos bens da família do empresário Jerson Maciel da Silva, dono da Avestruz Master, que vão desde carros luxuosos até botas feitas com couro de avestruz.

Quase duas mil aves morreram em Goiás

O juiz decidiu ainda que todas as contas e bens da empresa deverão ser centralizados na capital goiana. Nas 25 fazendas do grupo em Goiás, a situação está sob controle. Há um mês, o número de aves mortas chegou a dois mil. A Justiça goiana liberou, então, dinheiro de contas bloqueadas no estado para manutenção das propriedades, compra de ração e até contratação de um veterinário para acompanhar o trato dos animais. Espera-se que a liberação das contas em demais estados tenha o mesmo efeito.

Em Pernambuco, os fiscais do Ibama que estiveram na fazenda da Avestruz Master constataram os maus-tratos aos animais. Os estoques de ração estavam zerados. Os fiscais viram várias aves sem forças sequer para beber água. A veterinária da empresa, Sandra Dias, disse se sentir impotente para resolver o problema que vem dizimando o rebanho e que alguns animais mostram desespero:

¿ Na semana passada um avestruz morreu degolado. Sem ter o que comer, ele entrou em desespero, se jogou contra o piquete (cercado) e teve o pescoço cortado.

O administrador da fazenda Avestruz Master em Pernambuco, Osmar Camilo Andrade, não foi localizado pelo GLOBO.

A lista dos credores da Avestruz Master teve acrescidas três mil pessoas aos 50 mil investidores espalhados pelas várias filiais em 2005. Isso porque a Justiça decidiu incluir fornecedores pagos com cheques sem fundos e ex-funcionários do grupo. Uma assembléia dos credores está marcada para o mês de maio, mas a falência pode chegar antes, caso a empresa não consiga honrar os gastos com a administração judicial.

O advogado Murilo Macedo Lôbo, nomeado pela 11ª Vara Criminal para preparar a assembléia dos credores, ameaçou ontem pedir a falência da empresa, porque a empresa não apresentou extratos contábeis e de movimentação financeira dos últimos três meses.

COLABOROU: Orlando Carmo Arantes, especial para O GLOBO