Título: IRREVERSÍVEL
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Fonte: O Globo, 08/01/2006, Opinião, p. 6

Nos últimos 20 anos, a relação da Rocinha com o poder público mudou muito ¿ e para melhor. As intervenções pontuais e de caráter clientelista ¿ a chamada ¿política da bica d¿água¿ ¿ deram lugar, a partir da década de 80, a ações regulares visando a ampliar os serviços públicos prestados à população local.

Porém, as características particulares do sítio, as dimensões da comunidade e a complexidade dos problemas a serem solucionados fazem da urbanização da Rocinha um desafio necessário.

A Rocinha ¿ assim como as outras favelas ¿ veio para ficar. Não pode mais ser considerada um fenômeno transitório, uma etapa inicial no processo de chegada dos migrantes à ¿cidade grande¿, que desapareceria tão logo as condições econômicas permitissem a incorporação de seus moradores à vida urbana.

Esta é uma visão que pertence ao passado. Resultado de lutas históricas, o reconhecimento do caráter irreversível da presença da favela no cenário urbano, bem como a determinação política de promover a integração desses assentamentos informais à cidade oficial, impõem um novo desafio à sociedade.

Além das intervenções urbanísticas que visam a implantar os serviços e a infra-estrutura existente nos demais bairros, é necessário que a legislação urbanística seja estendida, também, à favela. E este é o desafio: regular um processo de produção do habitat, cuja dinâmica, embora, por vezes, se assemelhe ao que ocorre na cidade oficial, apresenta características particulares que não podem ser ignoradas.

O ordenamento adequado do uso e ocupação do solo, ações de promoção social e a implantação da infra-estrutura necessária contribuirão para que sejam alcançadas as condições dignas de vida que desejamos para todos os cidadãos cariocas ¿ favelados ou não.

GERÔNIMO LEITÃO é professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.