Título: Vontade política
Autor:
Fonte: O Globo, 08/01/2006, Opinião, p. 6

Adegradação de certas áreas urbanas do Rio é problema antigo, de raízes históricas profundas. Trata-se de uma questão em que há fortes doses de imprevidência de governantes desde pelo menos a primeira metade do século passado. O descaso com a moradia popular formal vem de longe. Reformas urbanas como a demolição do Morro do Castelo e a abertura de eixos estratégicos, caso da Rio Branco (Avenida Central), da Presidente Vargas e de outras, são enaltecidas, e com razão.

Mas nenhuma dessas cirurgias drásticas, imprescindíveis para o Rio, foi acompanhada de ações de alcance amplo para abrigar a população pobre deslocada pelas demolições. Foi, assim, incentivada a ocupação desordenada e precária de morros e áreas ainda livres. E com o aumento da migração de regiões menos desenvolvidas do país para o Rio, criaram-se as condições definitivas para o agravamento da favelização da região metropolitana carioca.

Com ciclos de governos populistas, favelas que não foram removidas se consolidaram e converteram-se no foco de problemas que são hoje. Há exemplos por todos os lugares.

A grande questão é o que fazer com esse Rio paralegal ¿ em vários aspectos, ilegal mesmo ¿ onde já vivem cerca de 20% da população, parte dela subjugada por quadrilhas de traficantes.

O conformismo é a pior postura. Não é porque há favelas com milhares de pessoas, vistas como bairros, que se deve preservá-las como são. O Favela Bairro partiu desse pressuposto e se converteu num programa de maquiagem, sem estancar a degradação urbana.

A falta de um instrumento financeiro para a habitação popular começa a ser superada com a aprovação, pelo Congresso, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. No caso do Rio, há amplas áreas dotadas de infra-estrutura capazes de abrigar favelados em habitações dignas e legalizadas. Mas é preciso vontade política para agir. Sem medo de remover o que necessita ser removido.