Título: PROUNI OFERECE BOLSAS PARA CURSOS REPROVADOS
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 08/01/2006, O País, p. 10

Programa dará ajuda para 1.110 alunos em instituições que jamais foram aprovadas no Provão e no Enade

BRASÍLIA. O programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação, oferece bolsas para estudantes de baixa renda em cursos que foram sempre reprovados no extinto Provão e no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Balanço feito pelo GLOBO mostra que deverão ser concedidas, neste primeiro semestre, 1.110 bolsas em 87 cursos de graduação jamais aprovados nas duas avaliações.

São cursos que nunca conseguiram sequer um resultado regular, ficando sempre na ponta de baixo do Provão e de seu substituto, o Enade. O problema começou ano passado e se repetiu na edição de 2006 do Prouni. Na semana passada, procurado pelo GLOBO, o MEC evitou divulgar os dados referentes à oferta de vagas em 2005.

Lei prevê desligamento após três reprovações

A lei que criou o ProUni só prevê o desligamento de cursos reprovados três vezes consecutivas no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que substituiu o Provão. O problema é que esses resultados só estarão disponíveis, no mínimo, a partir de 2009, prazo suficiente para já terem formado os estudantes selecionados agora pelo Prouni.

Na relação dos cursos reprovados e ainda assim beneficiados estão faculdades de administração, direito e engenharia civil que receberam os mais baixos conceitos em oito edições sucessivas do Provão, entre 1996 e 2003. Nas de ciências contábeis, apenas duas reprovações, pois essa área só foi avaliada em 2002 e 2003.

Cursos que melhoraram ficaram fora da pesquisa

Dos 87 cursos reprovados que fazem parte do ProUni, apenas quatro de fonoaudiologia e dois de enfermagem tiveram mau desempenho também no Enade. Os demais pertencem a áreas ainda não submetidas ao novo exame ou cujos resultados não foram divulgados. Os cursos de enfermagem foram reprovados duas vezes no Provão e uma no Enade. Os de fonoaudiologia, uma vez em cada teste.

O levantamento não contabilizou cursos reprovados apenas no Enade ou uma única vez no Provão. Ficaram de fora também cursos sempre reprovados no Provão mas que melhoraram no Enade.

¿ A bolsa é positiva, mas abrir vagas em cursos com avaliação negativa pode ser um blefe contra o aluno e a Receita Federal ¿ diz o presidente da Comissão de Educação da Câmara, Paulo Delgado (PT-MG).

O ProUni dá bolsas integrais e parciais a estudantes de baixa renda em universidades particulares. Negros e índios são beneficiados por cotas. Em troca, as instituições ganham isenções fiscais. Em seu segundo ano, o programa é elogiado até pela oposição e será uma das realizações que o governo Lula terá para mostrar na campanha da reeleição. Em 2005, foram atendidos 112 mil estudantes e, neste primeiro semestre, deverão ser matriculados mais 91.100.

¿ O ProUni é uma idéia boa, mas a execução é falha. Se o sentido é permitir que o estudante mais necessitado obtenha qualificação pelo saber e o saber é ofertado em cursos de péssima qualidade, há uma contradição. Repete-se aí o erro de governos anteriores ¿ diz o secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

Até mesmo a União Nacional dos Estudantes, que sempre pregou boicote ao Provão, estranha que o programa ignore as avaliações oficiais.

¿ O ProUni deveria ter critério mais rígido de seleção. O governo está dando legitimidade a cursos que sempre tiveram maus resultados ¿ diz o presidente da UNE, Gustavo Petta.

Bolsas representam 1% das vagas oferecidas

As 1.110 bolsas representam apenas 1% do total de 91.100 vagas oferecidas pelo ProUni neste semestre. Para o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Gabriel Mário Rodrigues, esse número é insignificante e não compromete em nada o ProUni:

¿ O Provão e o Enade são avaliações que precisam ser confirmadas no tempo. Ainda faltam dados mais firmes que o sistema (de avaliação) não pode dar ¿ diz Rodrigues.

No programa de crédito educativo, o Ministério da Educação proíbe a liberação de empréstimos para estudantes de cursos reprovados nas três últimas edições do Provão. A medida foi adotada em 2004 pelo então ministro Tarso Genro numa tentativa de frear a liberação de recursos para instituições com cursos de má qualidade.

O presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Edson Nunes, destaca que o Brasil vive um hiato entre dois sistemas de avaliação. Para Nunes, pró-reitor da Universidade Cândido Mendes, o ProUni pode, além de abrir portas para estudantes pobres, melhorar a qualidade da educação:

¿ Essa é uma reflexão que não se fez ainda devidamente e agora é a hora oportuna.

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