Título: PARA ISRAELENSES, MISTO DE DECEPÇÃO E ESPERANÇA
Autor:
Fonte: O Globo, 08/01/2006, O Mundo, p. 32

TEL AVIV. O casal de brasileiros Yehudit e Yeheskel Orenstajn conta que é difícil definir o que sente por Ariel Sharon. Eles trocaram o Rio por Israel há 27 anos, com quatro filhos, em busca de realização pessoal. Hoje, já aposentados, vivem no bairro de Pisgat Zeev, em Jerusalém, e se dizem assustados com o declínio da situação econômica do país. Aos 61 anos, Yehudit classifica de desastre os últimos anos do governo e explica que as reformas implantadas pelo então ministro das Finanças, Benjamin Netanyahu, deram a Israel indicadores de países de terceiro mundo.

¿ Economicamente foi um fracasso. Os salários diminuíram e o nível de vida caiu. Só não houve inflação porque os salários ficaram menores e o poder aquisitivo de grande parte da população despencou. Hoje em dia já existem em Israel diferenças de classe características de países subdesenvolvidos ¿ explica ela, lembrando que os escândalos de corrupção envolvendo os filhos de Sharon também abalaram a confiança no governo.

Festa de casamento transformada em protesto

Para muitos, os meses de indecisão, protestos e incertezas quanto ao futuro fizeram do desmantelamento dos assentamentos em Gaza o legado mais significativo do governo. Uma semana após sua família ser removida à força de casa, na colônia de Aztmona, Rivka Natanael, de 23 anos, viu a situação marcar o dia mais feliz de sua vida. Há dez anos morando no assentamento com os pais e oito irmãos, Rivka estava de casamento marcado com o jovem Bezalel Weinstein, de 22 anos, para o dia 22 de agosto passado, uma semana após o início da operação que removeu oito mil colonos judeus da região.

A festa, prevista para acontecer na colônia de Neve Dekalim, a maior do assentamento de Gush Katif, na Faixa de Gaza, teria 700 convidados. O salão de festas estava reservado, os convites entregues, o bufê encomendado e a banda de música escolhida, mas a colônia, evacuada e destruída pelo Exército de Israel, já não existia.

¿ Não posso culpar Sharon pelo que aconteceu, pois acredito que se nos retiraram de Atzmona, é porque Deus quis. Acreditamos até o fim que não haveria retirada e não nos preparamos para essa possibilidade. Sabia que não deixaria de me casar por isso, mas fiquei apreensiva, pois os primeiros dias depois de abandonar nossa casa foram muito difíceis. Não tínhamos para onde ir e moramos em caravanas improvisadas com banheiros químicos ¿ contou a noiva.

A tristeza de não ter onde morar não abalou os planos do casal. Instalados na chamada Cidade da Fé, um conjunto de caravanas improvisadas nos arredores da cidade de Netivot, sul de Israel, Rivka e Bezalel decidiram se casar ali mesmo, em meio às tendas de centenas de famílias removidas de Gush Katif. A festa inusitada chamou a atenção da imprensa e a precariedade do evento comoveu milhares de israelenses, que chegaram à cerimônia sem serem convidados, transformando o casamento num símbolo de protesto à retirada unilateral.

¿ Foi uma coisa louca. Quando cheguei à chupa (tenda sob a qual os judeus se casam) não pude crer no mar de gente. Recebemos presentes, doações e dinheiro de milhares de pessoas que até hoje não sabemos quem são. Jornalistas circulavam por todos os lados e emissoras de TV chegaram a transmitir a festa. Sharon acabou fazendo de nossa união um evento inesquecível. Gostaríamos de ter casado em Gush Katif, mas tenho certeza de que um dia ainda voltaremos para lá ¿ afirma Bezalel, até então morador do assentamento de Elon Moreh, na Cisjordânia.

O casal vive hoje num pequeno apartamento alugado no bairro de Kiriat Yovel, em Jerusalém. Representando o público religioso do movimento sionista nacionalista, eles preferem não criticar Sharon diretamente pelo fim das colônias de Gaza ou pela situação econômica de Israel. Para Rivka e Bezalel, tudo reflete a vontade de Deus, mesmo quando acontece um atentado ou ataque contra civis.

¿ Minha mãe foi baleada num atentado. Foi internada em estado grave e só se salvou por milagre. O que posso fazer? Culpar Sharon? Ele é apenas um político e não pode ter controle sobre uma fatalidade. Vi vizinhos serem assassinados, mas a política não tem poderes para conter nada disso. Deus é quem decide.