Título: NO LADO PALESTINO, VIDAS ALTERADAS PELO CONFLITO
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Fonte: O Globo, 08/01/2006, O Mundo, p. 32

A jornalista Nour Odeh estava em sua casa, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, quando viu pela TV as primeiras imagens da revolta palestina na Esplanada das Mesquitas.

¿ Soube imediatamente que algo mais dramático viria. A visita de Sharon deflagrou uma explosão de emoções. A resposta do Exército israelense seria forte.

A explosão de emoções foi seguida pela explosão da violência de ambos os lados, que se arrastaria pelos últimos cinco anos, trazendo duras conseqüências para a economia e a vida de milhões de palestinos. A revolta em al-Aqsa foi duramente reprimida, cidades palestinas foram isoladas e o acesso de moradores da Cisjordânia à Faixa de Gaza ¿ cruzando o território israelense ¿ foi suspenso. Por um ano, Nour ficaria sem ver o noivo (agora marido) Ammar, que morava em Gaza.

O episódio aconteceu numa época em que a paz parecia estar ao alcance de um aperto de mãos. As negociações em Camp David entre o então premier Ehud Barak e o líder palestino Yasser Arafat, já falecido, não haviam chegado a um acordo, mas pareciam estar no curso.

¿ O povo esperava a paz ¿ conta Nour, que se encontrou com o noivo em 2001 na Jordânia, onde ele pediu sua mão, e levou mais um ano para se casar, dessa vez em Brasília, onde o pai era representante da delegação palestina.

O conflito matou mais de três mil palestinos e destruiu sonhos. Ghada Zaqout, de 19 anos, ficou feliz ao saber, em setembro de 2004, que fora aceita numa faculdade de medicina no Egito. Fez as malas, partiu de sua casa no campo de Nuseirat para Rafah, ambos na Faixa de Gaza, mas foi impedida de atravessar a fronteira, que ainda era controlada por Israel.

¿ Os soldados me interrogaram e, depois de horas, mandaram-me de volta para casa ¿ conta Ghada.

Restou a ela a opção de estudar farmácia na própria Faixa de Gaza. Mesmo assim, perdeu várias aulas devido a bloqueios nas estradas.

O conflito alterou vidas e afetou duramente a a economia palestina. Um levantamento mostra que o desemprego pulou de 10% para 25%, e que mais de 60% dos palestinos vivem hoje abaixo da linha de pobreza.

A crise e a violência deixaram sinais claros em Ramallah, na Cisjordânia. Conhecida por seus restaurantes e sua ativa vida noturna, a cidade foi invadida, em dezembro de 2001, por tanques israelenses que cercaram a Muqata, o quartel-general de Arafat, que foi ainda bombardeado. Nas ruas estreitas, a passagem dos tanques destruiu postes, danificou prédios e calçadas, deixando marcas visíveis até hoje. Os visitantes e os noivos que procuravam Ramallah para passar a lua-de-mel desapareceram.

¿ Ramallah perdeu muito da sua alma ¿ conta o arquiteto Rauf Malki.

Apesar dos problemas, a esperança de paz

A lembrança mais forte de Rauf é dos soldados invadindo o prédio para revistas e do choro das crianças com medo.

¿ Só tínhamos duas horas por semana para sair e comprar alimentos. Vivíamos das economias. Quem não tinha, precisava contar com a ajuda dos vizinhos ¿ afirma Rauf que, com a crise, teve que fechar seu escritório e hoje trabalha para uma organização ligada ao consulado espanhol. ¿ Sharon não deveria morrer sem ser julgado. Ele é um criminoso de guerra.

Em Nova York, onde o marido integra a missão palestina na ONU, Nour acompanha o noticiário ao lado do filho, Yasser, de 9 meses ¿ o nome é uma homenagem ao líder palestino.

¿ Esses cinco anos mudaram a vida de todos nós. Eu e meu marido não somos os mesmos. Mas quero que meu filho cresça na Palestina e aprenda a amar essa terra santa. Espero que ele veja tempos de paz e não viva como nós vivemos ¿ diz Nour.