Título: O inferno pessoal entre a sogra e Sharon
Autor: Flávio Henrique Lino
Fonte: O Globo, 08/01/2006, O Mundo, p. 33

Arquiteta palestina que viveu drama sob ocupação da Cisjordânia diz que político não queria a verdadeira paz

A arquiteta palestina Suad Amiry mora em Ramallah, onde dirige uma ONG que cuida do patrimônio histórico dos territórios que um dia esperam reunir-se soberanamente num Estado independente sob o nome de Palestina. Quando quer ir de sua cidade a Nablus, Amiry tem de se encher de energia e paciência para a jornada. São apenas 40 quilômetros de distância, mas por causa dos 320 postos de controle israelenses na Cisjordânia, qualquer deslocamento vira uma via-crúcis e a viagem pode durar de quatro a cinco horas.

Nos últimos anos, a arquiteta não tem visto qualquer melhora na vida diária dos palestinos na Cisjordânia ¿ segundo ela confinados nas grandes prisões urbanas que se tornaram suas cidades cercadas por tropas de Israel. Um dos motivos dessa situação é bem claro para a arquiteta: Ariel Sharon.

Política de assassinatos seletivos é barreira, diz ela

Amiry escreveu um livro sobre sua experiência em viver confinada em Ramallah durante a invasão israelense ordenada por Sharon na Cisjordânia em 2002. Em ¿Sharon e minha sogra¿, ela conta os muitos percalços de uma população civil submetida à ocupação militar de outro país. Por conta dos tanques israelenses em sua porta, Amiry foi obrigada a conformar-se com um arranjo que muitos julgam ser uma situação-limite: morar com a sogra.

Vizinha da Muqata, o QG de Yasser Arafat constantemente atacado pelos israelenses, a idosa mulher de 92 anos teve de se mudar durante a invasão para a casa de Amiry, cujo marido estava ausente. Sozinha com a sogra, a arquiteta se viu diante de um inimigo do lado de fora e de outro do lado de dentro.

Mas, entre Sharon e a sogra, a arquiteta sempre teve a certeza sobre quem a infernizava mais: o veterano líder israelense. Por conta disso ¿ dentre outros motivos ¿ Amiry nunca teve esperança de que o processo de paz fosse adiante sob a condução de Sharon. Nem mesmo a recente retirada israelense de Gaza a deixou animada.

¿ Não acredito que Israel esteja fazendo isso (a retirada) no contexto de um plano maior de paz ¿ argumentou ela ao GLOBO, de Roma, na Itália. ¿ Sharon só acredita que os palestinos devem ter de volta parte dos territórios ocupados. Com Sharon as coisas são muito claras.

Sharon teria dificultado controle da ANP sobre radicais

Ao contrário de muitos que vinham apostando na liderança de Sharon para a condução do processo de paz ¿ ainda que de forma unilateral ¿, a arquiteta mostra-se reticente em relação ao papel que o velho Trator israelense tem desempenhado desde que subiu ao poder em 2001. Na opinião dela, Sharon torna difícil para a Autoridade Nacional Palestina (ANP) manter os grupos radicais sob controle ao ordenar os assassinatos seletivos de militantes.

¿ Se há alguém que é um ativista político contra Israel, e Israel diz ser uma democracia, o mínimo que poderia fazer é prender e levar a julgamento. Israel manda helicópteros com mísseis para matar uma pessoa, e como resultado outros quatro ou cinco civis são mortos nas ruas. Ao não se comprometer com o cessar-fogo e não se importar em matar civis, Israel também dá um pretexto ao Hamas para retaliar ¿ diz ela.

Em meio a esse quadro que não considera muito promissor para a paz, Amiry consegue ver parceiros entre os trabalhistas e os esquerdistas do Meretz.

¿ Mais de 50% dos israelenses querem a paz com os palestinos, mas certamente não Sharon e o Likud. A solução deles sempre foi o Grande Israel. Querem ficar com o tanto de terras palestinas que conseguirem, construir o máximo de assentamentos, pôr os palestinos em áreas concentradas e fazer muros ao redor. É impressionante que o mundo aceite, em pleno século XXI, testemunhar isso.

À frente do Centro de Conservação Arquitetônica Riwaq, Suad Amiry afirma que a paz pela divisão da terra é a única possibilidade tanto para os israelenses como para os palestinos, ¿que não vão desaparecer como povos¿.

¿ Israel ficou com 78% da Palestina histórica, mas isso não parece ser suficiente para alguns israelenses. Não estamos dispostos a aceitar o confisco diário de nossa terra, como ocorre. É preciso haver um governo em Israel que se dê conta de que os palestinos não desaparecerão e que pressioná-los o tempo todo só cria mais ódio e violência. Não conheço nenhum ser humano que agüente o tratamento que recebemos.