Título: JUSTIÇA CONDENA GOVERNO A INFORMAR
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 09/01/2006, O País, p. 5

Sentença garante a família de desaparecido direito de saber circunstâncias da morte

BRASÍLIA. O juiz federal substituto de Goiânia Waldemar Cláudio de Carvalho, em sentença inédita, determinou que o ministro da Defesa e vice-presidente da República, José Alencar, numa audiência reservada, comunique aos familiares do desaparecido político Marcos Antônio Dias Batista onde estão localizados os seus restos mortais, as circunstâncias que levaram à sua prisão, tortura e morte e entregue a ossada aos parentes.

A União ainda foi condenada pelo juiz a pagar indenização de R$500 mil à mãe de Marcos, Maria de Campos Batista, por danos morais decorrentes do desaparecimento de seu filho, em 1970. Alencar tem 90 dias para cumprir a decisão, prazo que expira na próxima semana. A sentença é do final de setembro de 2005.

Forças Armadas correm contra o tempo

O Ministério da Defesa informou que está tomando as medidas para cumprir a decisão. Os três comandos militares ¿ do Exército, da Aeronáutica e da Marinha ¿ foram ouvidos pela consultoria jurídica do ministério. Os comandantes já teriam informado a José Alencar que nada consta nos arquivos sobre a localização da ossada de Marcos e informações sobre como se deram seu desaparecimento e morte.

Se Alencar não cumprir a determinação do juiz de entregar os restos mortais à família, a União terá de pagar uma multa diária de R$1 mil. A assessoria de comunicação do Ministério da Defesa informou apenas que estão sendo tomadas todas as providências para que se tente cumprir a decisão. O governo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), estuda se irá recorrer da sentença.

Jovem sumiu quando tinha apenas 15 anos

Marcos Batista é o mais jovem desaparecido político da esquerda brasileira. Ele foi preso e desapareceu, em Goiânia, quando tinha 15 anos e militava no movimento estudantil. Era dirigente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e fundou a Frente Revolucionária Estudantil. Marcos integrava o grupo Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares), que combatia a ditadura. Seu nome foi incluído na relação dos 136 perseguidos que integravam a lista anexa da lei que criou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, em 1995. Na época, o Estado reconheceu a culpa pela morte de Marcos e a família recebeu indenização de R$137 mil.

A mãe de Marcos, Maria de Campos Batista, hoje com 87 anos, classificou como ¿histórica¿ a decisão do juiz Waldemar Carvalho. Ela disse que vive a expectativa do encontro com José Alencar e não acredita numa resposta negativa do governo justamente no momento que se anuncia a abertura dos arquivos dos órgãos de repressão.

¿ Há 35 anos procuro o meu filho. Espero que isso agora chegue ao fim. Preciso, primeiro, ter a certeza de que ele está morto e depois enterrá-lo numa sepultura digna, ao lado de seu pai. A ossada do meu filho me pertence ¿ disse Maria Batista.

Por causa da idade da mãe, a sentença determina ainda que o Poder Executivo e a Justiça dêem prioridade ao caso. A decisão obriga que o ministro da Defesa seja comunicado com a máxima urgência e que cumpra a decisão imediatamente, ¿independente do trânsito em julgado dessa decisão¿.

Nas suas ações como militante político, Marcos Antônio participou de atos terroristas e chegou a jogar bombas em um carro de um delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Goiânia.