Título: O soldado do passo certo
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 11/01/2006, O País, p. 2

A imprensa nunca foi tão criticada, pelo governo e pela oposição, como durante o mandato do presidente Lula. Dependendo da vontade do freguês, a imprensa ora é tachada de governista ora é tratada como militante da oposição. Nunca houve no país tantos analistas de mídia como agora.

A esta atividade se entregou o assessor especial do presidente Lula Bernardo Kucinski, em entrevista para a Agência Repórter Social. Kucinski não costuma ser notícia de jornal, mas escreve diariamente um documento de duas páginas, o "Carta Crítica", onde elogia e espinafra a imprensa e o governo. O presidente Lula e um grupo restrito de sete pessoas, ministros e assessores, recebem e lêem seus textos todas as manhãs.

Na entrevista, cuja íntegra está na página www.reportersocial.com.br, Kucinski não deixa pedra sobre pedra na área de comunicação do governo. Acadêmico, ele é professor da USP, não poupa ninguém de suas críticas, nem o PT nem o governo, e quando fala da imprensa, de colunistas e de repórteres, é ácido.

1. O erro do presidente Lula: "O presidente tem por obrigação receber a imprensa. É uma obrigação institucional. O presidente tem que falar com a imprensa e, através dela, falar com a nação. Eu acho que faltou ao Lula e ao governo a percepção dessa obrigação".

2. Sobre a assessoria de imprensa do presidente: "Ele (Lula) passou a se comunicar diretamente (com a sociedade)... O governo até poderia ter feito isso se, ao mesmo tempo, estabelecesse um rito de (entrevista) coletiva, como todos os governos de países importantes fazem".

3. O ex-secretário de Comunicação Luiz Gushiken: "Ele não era do ramo".

4. O publicitário Duda Mendonça: "... a presença do Duda Mendonça foi perturbadora. Ele não podia ao mesmo tempo ser palpiteiro do governo e quem ia fazer ações... O Duda ficava dos dois lados do balcão".

5. Sobre o PT: "Ele tem propostas de políticas públicas para várias áreas... mas para comunicação não tem... transferiu-se da vida política do PT um padrão de comunicação que é típico do político, que é a comunicação privilegiada".

6. Sobre o que falta para os repórteres: "Está faltando tudo. Falta conhecer história e falta a preocupação em conhecer. Falta operosidade. Eles não trabalham a sério as questões, não vão a fundo".

7. Sobre os colunistas da imprensa: "Todos eles defendem a política econômica do Palocci, do Banco Central, defendem corte do gasto público, o Estado mínimo. Por isso, eles são premiados com espaços nobres... Estão em todos os espaços ao mesmo tempo, porque eles estão falando aquilo que o poder quer que eles falem".

8. Sobre a relação da imprensa com o governo Lula: "Ele sempre foi muito maltratado pela imprensa... Os jornalistas não têm respeito com a pessoa do Lula... Há sempre um pressuposto de que ele vai falar besteira, vai errar, de que ele não conhece as coisas... A palavra de ordem é acusar e linchar. Acho que o governo Lula tem muita coisa boa... A mídia não está cuidando disso, porque está obcecada pela denúncia".

9. Sobre a cobertura da crise política pelos jornalistas: "Eles se sentem cruzados de uma cruzada moral... Eles acreditam que estão fazendo o bem. Eles estão percebendo a superfície das coisas e não os fundamentos. Eles não percebem que todos os que estão acusando o PT sempre foram corruptos. Eles estão discriminando. Acusam o PT e não os outros".

10. Sobre o governo do presidente Lula: "... o nosso governo não foi capaz de mudar o país como ele prometeu... Nós fomos... absolutamente conservadores, retrógrados e eu diria até burros na política econômica... Nós enterramos o nosso próprio discurso de mudança".

Mas ele também elogia.

11. Bernardo Kucinski por Bernardo Kucinski: "Ninguém tem coragem para dizer a verdade para o presidente claramente e eu digo todos os dias de manhã. Eu não estou lá para puxar o saco, elogiar. Eu também não estou lá para infernizar".