Título: O PONTO FRACO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 11/01/2006, O País, p. 6

A presunção de que o presidente Lula é um "pato manco" (lame duck), expressão americana que identifica um político em fim de mandato sem chances de reeleição, está provocando uma excitação exacerbada nos eventuais postulantes à Presidência da República nos demais partidos, especialmente se a possibilidade de Lula não concorrer à reeleição entrar a sério nas cogitações políticas. A cada dia fica mais claro que o presidente Lula quer se candidatar, mas também que ele não faz jogo de cena quando diz que ainda não se decidiu.

Nas vezes anteriores em que concorreu, teve chances de vencer em 1989 contra Collor, e praticamente sabia que perderia contra Fernando Henrique Cardoso, embora seja possível supor que em 1994 tivesse esperanças de, chegando ao segundo turno, poder virar o resultado previsto. Perdeu as duas no primeiro turno, mas não inviabilizou suas chances de chegar ao poder, tanto que em 2002 foi largamente o favorito, mesmo quando "zebras" como Roseana Sarney ou Ciro Gomes surgiram inesperadamente no cenário eleitoral.

Desta vez é diferente. Participar da eleição sem um conjunto político forte de apoio, e correndo o risco de perder sendo presidente da República, seria um fim de carreira melancólico para Lula, se é que é possível falar-se em fim de carreira para um político de sua envergadura. Mas Lula já disse a mais de um interlocutor que só será candidato se preencher duas condições: ter a seu favor a economia indo bem, e organizar uma base política forte, com o apoio do PMDB.

Por enquanto, tem a primeira condição, mas dificilmente terá a segunda, pelo menos a coesão partidária que significaria um forte apoio da maior máquina partidária do país. A economia brasileira começou o ano dando mostras de que tem todas as condições de crescer este ano mais do que em 2005, e os dados macroeconômicos são cintilantes, embora possam ser questionados aqui e ali com conceitos técnicos que não chegam ao grande eleitorado. O crescimento do emprego, por exemplo, pode ser contestado pelos critérios técnicos que o governo utiliza para mensurá-lo, mas existe.

A auto-suficiência do petróleo, uma das bandeiras do governo este ano, pode não passar de uma jogada de marketing se o crescimento econômico do país for sustentável, e se não for definida uma política oficial de energia englobando o álcool e os biocombustíveis. O pagamento antecipado da dívida ao FMI, e a redução de nossa dívida externa, que Lula apresenta como uma libertação do jugo internacional, não passa de uma decisão política simbólica. Não só porque essa dívida é o dinheiro mais barato que um país pode obter, como porque as normas do FMI continuam regendo nossa economia. Mas, de qualquer maneira, reduzir a exposição em dólar é sempre bom.

O que será mostrado ao eleitorado como o rompimento dos grilhões do capitalismo internacional foi comemorado ontem no Palácio do Planalto na presença do "opressor", o diretor-geral do FMI, Rodrigo Rato, que rasgou elogios ao atual governo. E a redução da dívida externa se transforma em aumento da dívida interna, à base de juros que continuarão altíssimos este ano, mesmo que sejam reduzidos.

No campo político, Lula tem ainda a esperança de convencer o PMDB de que, apoiando sua candidatura desde o início indicando o vice-presidente, participará de um governo popular como parceiro, e não apenas como eventual coadjuvante, como vem acontecendo nos últimos governos desde o Plano Real. O argumento carece de atrativos no momento, pois as pesquisas de opinião mostram claramente que o presidente Lula hoje tem mais chance de perder do que de ganhar a eleição de outubro.

Pragmático como nunca, o PMDB, que já foi "pule de dez" nessa coligação, hoje se divide entre ter candidato próprio, se não para ganhar, para vender caro uma posição no segundo turno, ou aderir aos dois pólos em que a política brasileira se divide nos últimos anos, PT e PSDB.

Os governistas ainda tentam levar as prévias para mais adiante, na esperança de que Lula dê demonstrações de força eleitoral que inviabilizem uma candidatura própria do partido. Nesse caso, a melhor aposta ainda é o atual ministro Nelson Jobim como vice-presidente da chapa de Lula. Mas as manobras de início de ano não aparentam favorecer uma mudança na percepção do eleitorado. Muito ao contrário, algumas, claramente eleitoreiras, estão surtindo o efeito contrário.

É o caso da operação "tapa-buracos" nas estradas, que salientou para a opinião pública a ineficiência do governo e a irrelevância da medida, que de "emergencial" não tem nada. As bandeiras do PT levadas aos primeiros buracos, com o ministro dos Transportes do lado, foram tão ingênuas politicamente que causa espanto. Também a verba que o Ministério da Integração Nacional conseguiu para financiar um enredo da Mangueira, escola da samba do Rio, a favor da transposição do Rio São Francisco, é tão descaradamente uma ação política que pode reverter contra o governo e contra a escola de samba, uma das mais populares do país.

A tentativa de "aparelhar" o Supremo Tribunal Federal com indicações políticas como a do ex-presidente do PT Tarso Genro ou do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh também caíram muito mal na opinião pública. Por tudo isso, e pelas CPIs que continuam funcionando e que devem produzir relatórios bombásticos que terão que ser lidos obrigatoriamente pelo presidente da República, os potenciais candidatos à sua sucessão estão mais animados do que nunca. Resta saber se a força da economia sobrepujará a questão ética, que vem se mostrando o calcanhar-de-aquiles deste governo.