Título: O IMPEDIMENTO DE LULA POR ASFIXIA
Autor: ELIO GASPARI
Fonte: O Globo, 11/01/2006, Opinião, p. 7

Do jeito que vão as coisas, querem que o exercício da presidência da República por Lula fique restrito à escolha da cor da sunga que usará na praia: vermelha, verde ou azul? Busca-se a asfixia do presidente.

Se ele anuncia um programa de obras públicas, é acusado de torrar dinheiro em ano eleitoral. Se não usa os recursos estocados, inibe o crescimento econômico. Quando abrem-se duas (talvez três) vagas no Supremo Tribunal Federal, ressurge a tese segundo a qual se deve limitar o poder do chefe do Executivo na composição da corte.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Celso Luiz Limongi, reiterou numa entrevista ao repórter Fausto Macedo uma posição que defende desde 1995: a reserva de uma cota de quatro das onze cadeiras do Supremo para advogados oriundos da magistratura a serem escolhidos sem a participação do presidente.

Como a mudança exige que a Constituição seja emendada, o debate é bem-vindo. Uma coisa é debater, outra é mutilar. A idéia de Limongi está na mesa há onze anos. Acelerá-la, coisa que não depende dele, serve mais ao propósito da mutilação do Executivo do que ao serviço do Judiciário.

Não será a primeira vez que se faz isso com Lula. Como ele gosta de repetir, em 1993 o Congresso encurtou o mandato presidencial de cinco para quatro anos pelo medo de que vencesse a eleição de 1994.

Três anos depois, protegendo o mandarinato tucano, o Congresso aprovou a emenda da reeleição. Produziu a praga do desempenho voltado para o continuísmo.

Faltam menos de dez meses para que Nosso Guia seja submetido ao julgamento da eleição. Essa é a oportunidade de mutilação absoluta dos poderes e das esperanças de um político. Fora daí, a pressa desrespeita o mandato que Lula recebeu de 53 milhões de eleitores.

O impedimento por asfixia é uma radicalização maligna do sangramento a que Lula se submeteu. Ele sangra porque pôs as mãos onde não devia, mesmo que insista em dizer que não sabia onde as punha. No caso da mutilação, sangram as instituições.

Os cidadãos indicados pelo presidente da República para o Supremo Tribunal Federal precisam do referendo do Senado. Quem não estiver satisfeito com uma escolha pode batalhar pela sua rejeição. Nesse caso estão os presidentes do PFL (Jorge Bornhausen), das guildas dos magistrados (Rodrigo Colaço) e dos juízes federais (Jorge Maurique). Eles condenaram a possibilidade de vir a ser indicado o advogado Tarso Genro, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de Porto Alegre.

Há três meses o presidente George Bush desistiu da escolha da advogada Harriet Miers quando percebeu que lhe faltariam os votos conservadores para aprovar a indicação da candidata, acusada de simpatia em relação ao aborto. Em 1987 os liberais detonaram a indicação do juiz Robert Bork, um conservador intransigente, apocalíptico e brilhante. É o jogo jogado.

De uma hora para outra, a possível indicação de um grão-petista encarna um aparelhamento do Supremo. Ninguém achou que Nelson Jobim e Maurício Correa, indicados por FFHH e Itamar Franco, significassem "aparelhismo" do PMDB, ou do PDT.

Os ministros do Supremo devem ser escolhidos como a Constituição manda. Pode-se propor que algumas indicações sejam feitas por eleição, ordem alfabética, sorteio ou concurso. O que não se pode é mutilar as prerrogativas do presidente da República no exercício do mandato.

ELIO GASPARI é jornalista.