Título: Marco Aurélio: proposta do TSE é extravagante
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 11/01/2006, O País, p. 12

'Será que sem a modificação do arcabouço normativo (lei) é possível modificar-se as regras das eleições?'

BRASÍLIA. As medidas apresentadas anteontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tornar mais rigoroso o combate ao caixa dois na campanha eleitoral deste ano estão longe de ser um ponto pacífico entre os integrantes do tribunal. Ontem, o ministro Marco Aurélio de Mello duvidou da legalidade das propostas mais polêmicas, lembrando que a Justiça Eleitoral não tem poderes para legislar nas vésperas de campanhas. Marco Aurélio deverá presidir o TSE a partir de junho, quatro meses antes das eleições.

- Receio muito essas posições extravagantes na crista da crise, isso é perigoso. Será que sem a modificação do arcabouço normativo (lei) é possível modificar-se de forma tão substancial as regras das eleições? O TSE não pode legislar, ele interpreta a legislação - disse Marco Aurélio sobre as propostas em estudo no TSE.

Constituição impede mudanças, lembra ministro

Ele lembrou que a Constituição impede mudanças das regras eleitorais até um ano antes do pleito por meio de lei:

- Temos uma regra constitucional que obstaculiza mudanças normativas no período de um ano das eleições. Se nem uma lei pode, o que se dirá de uma resolução do tribunal? Devemos baixar resoluções com segurança, não com a extravagância de presumir que todos sejam salafrários. Não podemos marchar às eleições a solavancos. Vamos usar a lei de forma rigorosa, mas sem extravasar.

Uma das normas que pode ser baixada pelo TSE até março - depende ainda de aprovação do plenário, composto por sete ministros - é a proibição de comitês eleitorais sacarem dinheiro vivo de suas contas bancárias para custear gastos de campanha. A idéia é limitar a movimentação financeira dos candidatos e partidos a cheques nominais ou transferências eletrônicas.

Outra proposta é obrigar os candidatos a prestar contas parcialmente a cada 15 dias ao TSE, com os nomes de doadores e beneficiários, seguidos das cifras com as quais contribuíram ou receberam. As sugestões foram apresentadas anteontem por uma comissão de especialistas na legislação eleitoral.

Advogado e ex-ministro discorda de Marco Aurélio

O advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE e integrante da comissão responsável pelas sugestões de normas eleitorais, discordou de Marco Aurélio. Para ele, as propostas não modificam as regras em vigor, mas representam apenas uma interpretação da legislação eleitoral:

- Não estamos modificando nada. A cada ano, se aperfeiçoa as normas para evitar os erros do passado.

Apesar de ter questionado as propostas da comissão do TSE, Marco Aurélio disse que os crimes eleitorais devem ser punidos com rigor. No fim de 2005, ele foi o relator de uma ação que culminou na condenação do presidente Lula ao pagamento de multa de R$30 mil por fazer propaganda eleitoral fora da época permitida. Tratava-se de propagandas do governo veiculadas na televisão em abril do ano passado com mensagens de exaltação à gestão de Lula.

Políticos aprovam pacote

Mas sugerem caixa para pequenas despesas

BRASÍLIA. Com a imagem da classe política desgastada por causa das denúncias de caixa dois, parlamentares da base e de oposição elogiaram ontem as normas propostas pela Justiça Eleitoral para controlar as finanças das eleições. Mas a maioria fez ponderações, especialmente sobre o rigor de proibir qualquer movimentação em dinheiro vivo nas contas dos candidatos e dos partidos.

O líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), disse que a proposta de vedar o uso de dinheiro vivo é boa, mas sugeriu a criação de um caixa para pequenas despesas, em torno de 5% dos gastos totais da campanha.

Já o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), elogiou especialmente a divulgação quinzenal, na internet, das contribuições e dos gastos. Ele também sugere que o TSE estabeleça um teto de gastos para as candidaturas a cada cargo:

- Se não coibir determinados gastos, vamos para uma eleição que vai repetir a lógica das últimas décadas: quem tem muito dinheiro tem maior privilégio na campanha.

Legenda da foto: MARCO AURÉLIO: "O TSE não pode legislar, ele interpreta a legislação"