Título: INDICAÇÃO SOB POLÊMICA
Autor: Cristiane Jungblut/Eliane Oliveira/Heliana Frazão
Fonte: O Globo, 11/01/2006, O Mundo, p. 29

ONU pede a Brasil 2º nome para comandar missão no Haiti, em meio a mal-estar no governo

O anúncio antecipado, pelo Itamaraty, do nome do general José Elito Carvalho de Siqueira para substituir Urano Bacellar no comando das tropas de paz no Haiti, na última segunda-feira, causou mal-estar no governo. Ontem, um dia depois de o nome de Elito ter sido enviado às Nações Unidas no lugar de Bacellar - encontrado morto com um tiro em seu apartamento, em Porto Príncipe - o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, e o comandante do Exército, Francisco Albuquerque, declararam que a ONU havia pedido dois nomes, desautorizando o anúncio do Ministério das Relações Exteriores no dia anterior.

- A ONU deseja dois nomes, mas isso é de praxe. Quem indica o novo nome é o Comando do Exército e a ONU dá a palavra final - disse Alencar, admitindo, no entanto, que a candidatura de Elito também está mantida.

Albuquerque acrescentou:

- Inicialmente a idéia era um único nome, mas a ONU pediu um segundo. Estamos trabalhando para levantar esse segundo nome que será levado à consideração da ONU.

O Itamaraty reagiu, argumentando que, até anteontem, quando o chanceler Celso Amorim conversou com representantes dos países que coordenam os trabalhos no Haiti (França, Estados Unidos, Canadá, Chile e Argentina) e recebeu apoio para continuar no comando da missão, o Exército só havia encaminhado um nome. Segundo os diplomatas, assim que o órgão receber a segunda opção, esta será submetida imediatamente à ONU. Mas, de acordo com uma fonte diplomática, o segundo nome é apenas praxe, pois Elito deverá mesmo assumir o cargo.

A fonte argumentou que a situação era de urgência. Uma demora na escolha do novo comandante abriria espaço para que outro país reivindicasse o comando. Um deles seria a Jordânia, que em breve terá um contingente maior no Haiti, com 1.700 soldados, contra 1.200 do Brasil.

Da parte dos EUA, sabe-se que o apoio ao Brasil é definitivo. Foi o que deixou claro o subsecretário para Américas do Departamento de Estado americano, Tomas Shanon.

- O papel do Brasil no comando das tropas no Haiti é fundamental e deve ser mantido. Apoiamos também a renovação do mandato do Brasil naquele país - disse Shanon, após ser recebido por Celso Amorim, em Brasília.

General Elito embarca até domingo para Nova York

Embora Albuquerque e Alencar tenham demonstrado que a questão dos dois nomes é apenas praxe, setores do governo admitiam que a rapidez com que o Itamaraty atuou acabou retirando dos militares a prerrogativa de anunciar o nome do novo comandante no Haiti. O comandante do Exército reconheceu ontem que a missão no Haiti enfrenta dificuldades e envolve riscos. Mas, para Albuquerque, as Forças Armadas já superaram o "baque" da morte de Bacellar, classificado por ele como "o melhor".

- Não temos laudo final. Se essa hipótese for verdadeira (de suicídio), é necessária uma análise profunda. Mas o problema do Haiti não é só operacional. É um problema com características econômicas e sociais - disse Albuquerque.

O general Elito, comandante da 6ª Região Militar, embarca até o próximo domingo para Nova York, onde deverá ser sabatinado na sede da ONU e, se aprovado, receber o título de comandante da Missão de Paz no Haiti. Ele viajará em companhia de Albuquerque. Nessa viagem o general Elito já fará uma primeira visita ao Haiti.

Elito preferiu não comentar o fato de a ONU ter requisitado um segundo nome.

- Não me compete avaliar a posição da ONU. Até agora o que sei de oficial é que fui indicado e deverei ser entrevistado - esquivou-se.

Com 40 anos de Exército, o general fez curso de Estado-Maior, em Londres, foi adido militar do Brasil na África do Sul e comandou operações na Amazônia e no Setor de Aviação do Exército. Ele considerou essa, porém, como a missão mais importante e inusitada da sua carreira.

- Trata-se de uma força que já está com um desempenho brilhante há mais de um ano de operações. Deverei apenas dar prosseguimento, tentando, obviamente, sempre melhorar. Vamos torcer para que eu tenha o mesmo desempenho que tiveram os generais Heleno e Bacellar.

Se confirmado pela ONU, o comandante da 6ª Região Militar, que é sergipano e tem dois filhos, deverá embarcar imediatamente para o Haiti, por ser um período de campanha presidencial, que suscita muitas manifestações populares até o dia do pleito, marcado para 7 de fevereiro. Perguntado sobre um possível nervosismo diante do novo desafio, ele disse apenas estar honrado pela indicação, embora saiba dos riscos. O general Elito assumiu o comando da 6ª Região em 2004, tornando-se responsável pela coordenação das unidades do Exército em Bahia e Sergipe.

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