Título: DESENCONTROS EM BRASÍLIA
Autor: Cristiane Jungblut/Eliane Oliveira/Helena Celestin
Fonte: O Globo, 12/01/2006, O Mundo, p. 27

Alencar diz que brasileiros podem deixar Haiti, mas Amorim afirma que decisão será conjunta

O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, admitiu ontem que as tropas brasileiras poderão deixar o Haiti ainda este ano. A declaração de Alencar provocou reações entre os diplomatas e até mesmo no Exército, que evitam marcar uma data para a saída dos soldados brasileiros da missão de paz da ONU no Haiti.

- As eleições estão marcadas para 7 de fevereiro e poderá haver um segundo turno. Então, acredito que até março eles tenham já um presidente eleito. E é natural que as forças fiquem por mais algum tempo até que o novo governo organize o país - disse.

Ao ser perguntado se a expectativa é de que os brasileiros deixem ainda este ano o Haiti, Alencar respondeu:

- Ah, sim, sim - acrescentando: - Não podemos questionar agora a missão, não é hora de questionar. Temos que cumprir nosso dever até o final.

Brasil envia 2º nome à ONU

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, misturou ironia e diplomacia ao comentar a declaração de Alencar:

- Isso me parece uma manifestação otimista com relação à evolução dos acontecimentos no Haiti.

Segundo Amorim, as decisões são tomadas em conjunto com os demais ministérios envolvidos e o presidente da República. O ministro disse que não há uma posição sobre quanto tempo o Brasil continuará no Haiti.

Uma fonte do governo brasileiro disse que a hipótese mais forte é a da permanência das tropas por, pelo menos, mais um ano após a eleição presidencial, marcada para o dia 7 de fevereiro. O mandato do Brasil na missão termina no mês que vem, mas deve ser renovado por mais seis meses.

Alencar anunciou ainda a indicação do general Jeannot Jansen da Silva Filho, vice-chefe do Departamento de Logística do Comando do Exército, como o segundo nome sugerido à ONU para substituir no comando da missão da ONU o general Urano Teixeira da Matta Bacellar, encontrado morto sábado em Porto Príncipe. O primeiro nome anunciado foi o do general José Elito Siqueira. Alencar falou sobre o assunto depois de participar de cerimônia em homenagem a Bacellar.

Alencar disse ainda que o novo chefe da missão deverá permanecer no cargo até o final de agosto, quando terminaria o período de Bacellar. Para ele, os dois têm iguais condições para a função. Mas diplomatas diziam que o nome preferido é o de Elito.

Na cerimônia de ontem, o comandante do Exército, Francisco Albuquerque, disse que a morte de Bacellar fortalece a vocação dos militares brasileiros de "guerreiros da paz", capazes de sacrificar a vida pela missão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu à homenagem, na Base Aérea de Brasília, antes de o corpo ser transportado para o Rio, onde foi sepultado.

O Brasil enviou os nomes ontem à ONU. Apesar de a Jordânia ter lançado sua candidatura nos corredores das Nações Unidas, já está decidido que um brasileiro terminará o mandato de um ano de Bacellar. A organização vai entrevistar os candidatos provavelmente na próxima semana.

- É praxe apresentar dois nomes, mas devido à urgência da situação achamos que poderia haver uma exceção e, por isso, o general Elito foi indicado primeiro - explicou o subchefe da missão do Brasil na ONU, embaixador Henrique Valle.

Uma exceção já tinha sido aberta quando o general Heleno Pereira, o primeiro comandante da missão no Haiti, foi o único indicado. Já no caso do general Bacellar, manteve-se a praxe e seu nome foi o escolhido entre os dois apresentados pelo Brasil.

O clima na sede da ONU, em Nova York, era de perplexidade. Segundo diplomatas, havia sinais de melhoria das condições de segurança no Haiti, e isso é considerado uma vitória do brasileiro, cuja atuação era vista como segura e equilibrada. Nos bastidores comenta-se que o suicídio afetou a imagem do Brasil.

- Pegou mal para o Brasil. As pessoas não aceitam que um general possa não agüentar o tranco - disse um funcionário da ONU.

Segundo funcionários e diplomatas, o futuro da missão está indefinido. Em fevereiro, o Conselho de Segurança deverá renovar o mandato da missão para manter as tropas no país durante o período pós-eleitoral. Depois, haverá uma discussão com o governo eleito sobre o novo formato da missão.

GENERAL JEANONOT É PERITO EM AVIAÇÃO

BRASÍLIA. O general Jeannot Jansen da Silva Filho, o segundo militar indicado pelo governo brasileiro para assumir as tropas da ONU no Haiti, tem perfil muito parecido com o do general José Elito, o outro militar que disputa indicação para a vaga do general Urano Bacellar. No Exército, é tido como um profissional equilibrado e em condições de assumir missões como a de restabelecer a paz no Haiti.

- Qualquer um de nós está preparado para assumir esta missão - disse ontem Jeannot.

O general atualmente é vice-chefe do Departamento Logístico do Exército, em Brasília. Ele pilota helicóptero e é fluente em inglês. Jeannot nasceu em Manaus (AM) e tem 58 anos. Ele já foi Comandante da Aviação do Exército, cargo também ocupado por Elito. Jeannot ocupou várias funções ligadas a aviação no Comando do Exército. No exterior, fez cursos de piloto de combate e de piloto de reconhecimento no Exército americano. Jeannot e Elito viajam neste final de semana para Nova York, onde serão sabatinados pela ONU.

COLABOROU Helena Celestino, de Nova York

Legenda da foto: O GENERAL Jeannot Jansen