Título: Mais um deputado sob suspeita
Autor: Evandro Éboli/Alan Gripp
Fonte: O Globo, 13/01/2006, O País, p. 3

CPI descobre depósitos mensais de empresa sob investigação para João Herrmann, do PDT

Um novo cruzamento de dados feito pela CPI dos Correios revelou que o deputado federal João Herrmann Neto (PDT-SP) recebeu, entre março de 2003 e março de 2005, depósitos mensais de cerca de R$3 mil da empresa de transportes aéreos de cargas Beta. As transferências, que totalizam R$79 mil, foram descobertas durante a análise dos dados da quebra do sigilo bancário da empresa, investigada pela suspeita de irregularidades nos contratos com os Correios para a exploração da rede postal noturna (RPN) juntamente com a empresa Skymaster.

O deputado disse ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se pronunciar sobre os depósitos. No fim da tarde, quando O GLOBO teve acesso aos dados, nenhum integrante da diretoria da Beta foi encontrado para explicar as transferências. A empresa deve se pronunciar hoje.

Segundo integrantes da CPI, os depósitos que aparecem na quebra do sigilo bancário da empresa foram feitos em nome do deputado, que também é engenheiro agrônomo e tem como base eleitoral a cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo. As transferências cessaram dois mês antes de o serviço de correio noturno ser posto sob suspeita pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). As informações serão incluídas no relatório final da CPI dos Correios, que deve ser divulgado em meados de março.

CPI deve analisar emendas de deputado

Embora Herrmann Neto não esteja sendo investigado oficialmente, a CPI já identificou emendas feitas por ele ao projeto de criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e deve analisá-las. O deputado foi integrante da comissão especial que analisou a criação da agência e apresentou, entre outras emendas, uma que proibia o transporte aéreo de cargas para empresas estrangeiras. A Anac virou lei em setembro do ano passado, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As investigações da CPIs dos Correios e do Mensalão já levaram para o Conselho de Ética 19 deputados acusados de receberem recursos provenientes do valerioduto. No caso de Herrmann, o repasse de recursos ainda não esclarecido foi feito por uma empresa e não há qualquer indicativo de que tenha relação com o mensalão operado pelo publicitário Marcos Valério de Souza.

De todos os processos que tramitam no Conselho, porém, nenhum envolve parlamentares do PDT. Já foram cassados os deputados Roberto Jefferson, que admitiu ter recebido R$4 milhões não declarados, e José Dirceu (PT-SP), acusado de comandar o esquema do mensalão. O deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), que recebeu R$450 mil do esquema, foi condenado no Conselho mas absolvido no plenário.

Em 2002, Herrmann Neto foi um dos coordenadores da campanha à Presidência do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Hoje, é considerado um político muito próximo do Palácio do Planalto. O deputado integrou pelo menos duas vezes a comitiva do presidente Lula em viagens ao exterior. Em dezembro de 2003, ainda no primeiro mandato do governo Lula, foi ao Oriente Médio. Em maio deste ano, esteve na Coréia e no Japão.

Outros nomes devem aparecer até o fim da CPI

Integrantes da CPI dos Correios acreditam que outros nomes de parlamentares que teriam recebido recursos de empresas investigadas devem aparecer até o fim das investigações. O cruzamento dos dados, no entanto, está atrasado. Segundo o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), os bancos Safra, BankBoston e Real enviaram documentos incompletos à comissão. Serraglio disse que vai semana que vem ao Banco Central para fazer uma reclamação formal contra estes bancos:

- Muitas planilhas deste banco chegaram incompletas, cheias de lacunas.

No início do governo Lula, Herrmann Neto integrava o PPS e foi líder do partido na Câmara. Em 2004, deixou o partido depois de estar ameaçado de expulsão. O deputado respondeu a processo na comissão de ética do partido por não cumprir as orientações do diretório nacional. Em 2004, por exemplo, apoiou a reeleição da prefeita de São Paulo Marta Suplicy, enquanto o partido apoiava o candidato do PSDB, José Serra, que saiu vitorioso.

COLABOROU: Evandro Éboli

Empresa é investigada por CPI e CGU

A Brazilian Express Transportes Aéreos Ltda (Beta) começou a ser investigada após as denúncias da existência de fraudes nos contratos dos Correios para o serviço da Rede Postal Noturna (RPN), feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). No fim de dezembro passado, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou problemas no serviço, como o mau dimensionamento da carga contratada em várias linhas aéreas, sem a adoção de medidas corretivas.

A CGU calculou ainda um prejuízo de R$10,7 milhões em pagamentos dos Correios à Beta e à empresa TAF. O rombo, segundo o documento, foi provocado em razão de reequilíbrios econômico-financeiros autorizados indevidamente.

A CPI dos Correios também suspeita que a Beta, além da Skymaster, responsáveis pelo Rede Postal Noturna, possam ter pagado propina a ex-funcionários da VarigLog. Numa planilha de custos da Skymaster e da Beta que está sendo analisada pela CPI, dois pagamentos chamaram a atenção do sub-relator de contratos, José Eduardo Cardozo (PT-SP). Os documentos destacam "Acerto ECT" e "Acerto VG - 1,5%".

A CPI teve acesso à gravação de uma conversa entre um dos sócios da empresa Promodal, Antônio Augusto Morato, e Ioannis Amerssons, sócio da Beta, que confirmaria o acerto feito com os Correios e a VarigLog para que a Skymaster e Beta não tivessem seus contratos questionados judicialmente.

Ex-presidente da Beta, Morato já contestou as investigações. "Os contratos firmados com os Correios pela Beta entre 2000 e 2002, ocasião em que Antônio Augusto Morato Leite respondia pela empresa, seguiram as regras estabelecidas pelos editais de licitação", defendeu-se por meio de nota, quando as denúncias vieram a público.

Legenda da foto: JOÃO HERRMANN NETO: quebra de sigilo bancário de empresas de transportes aéreos mostrou depósitos de R$3 mil mensais para o deputado