Título: RENOVAÇÃO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 13/01/2006, O País, p. 4

O crescente desgaste dos métodos políticos tradicionais está criando uma efervescência política que se traduz tanto na campanha, ainda incipiente, de voto nulo, quanto no vislumbre de que novos caminhos poderão ser trilhados a partir das próximas eleições. Essa percepção alimenta outros movimentos, como o da renovação total do Congresso - "não vote em quem já teve mandato" - ou o desejo de participação de novos atores, mesmo que em muitos casos não sejam tão novos assim.

É o caso do plano federal, onde a busca de uma alternativa à polarização entre PT e PSDB alimenta sonhos tanto em partidos recém-criados como o PSOL quanto no tradicionalíssimo PMDB.

O PSOL deve lançar a senadora Heloísa Helena para puxar votos, mas não deixa de "sonhar o sonho impossível", a remota possibilidade de que uma revolta da opinião pública possa fazer dela uma surpresa eleitoral. Partidos como o PDT e o PPS também levam em conta em suas estratégias eleitorais a apresentação de nomes que possam empolgar o eleitorado, decepcionado com políticas tradicionais.

Os senadores Cristovam Buarque e Jefferson Peres, pelo PDT, e o deputado Roberto Freire, pelo PPS, fazem parte do restrito grupo de políticos que, embora atravessem muitos mandatos, não são identificados com a politicagem que, na percepção da maioria da opinião pública, domina hoje o Congresso. Mas a proposta mais viável de terceira via vem mesmo do PMDB, pelo alto poder de fogo de sua máquina partidária.

Marcado pela fama de fisiológico, a que tem feito jus nos últimos tempos, pelo menos parte do partido está convencida de que somente uma candidatura própria nascida das bases, com um programa de governo que represente uma alternativa econômica para o país, pode resgatar sua credibilidade junto ao eleitor. Saberemos se essa parte é majoritária à medida que as manobras contra as prévias, marcadas para início de março, forem se desenvolvendo nas instâncias partidárias.

O paradoxo é que quem praticamente inventou as prévias, e até o momento tem a preferências das chamadas bases partidárias, é o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, um político polêmico, fortemente marcado como populista. A combinação de PMDB e Garotinho, embora possa ter força eleitoral, não forma um quadro de recuperação de credibilidade junto à opinião pública. É nesse vácuo que o governador do Rio Grande do Sul quer entrar, assumindo para si a tarefa de representar uma terceira via alternativa à polarização PT e PSDB.

Ele tem a seu favor um passado político, e um sentimento anti-paulista na política que pode se explicitar nas urnas. É um projeto mais coerente do que o do Garotinho, embora o ex-governador do Rio apresente no momento mais força eleitoral nas pesquisas de opinião. Se conseguir a legenda do PMDB, Garotinho tanto pode se transformar até mesmo no fiel da balança eleitoral, quanto provocar a repulsa do eleitorado a um projeto demagógico.

No plano estadual, a busca de alternativas aos grupos que tradicionalmente dominam a política no Rio de Janeiro está fazendo surgir diversas pré-candidaturas, balões de ensaio de soluções que podem não se viabilizar partidariamente, mas demonstram o anseio por mudanças. A deputada-juíza Denise Frossard, eleita com uma votação estrondosa, parecia ser uma resposta ao anseio do eleitorado por novidade e seriedade na política. É a candidata potencial do PPS, e fazia um trabalho de reaproximação com seu partido original, o PSDB, para uma aliança política, quando foi atropelada por um parecer contrário que deu ao projeto de lei que considera crime discriminar deficientes físicos.

Os conceitos emitidos pela juíza no tal parecer foram tão discriminatórios - "A deformidade física fere o senso estético do ser humano. A exposição em público de chagas e aleijões produz asco no espírito dos outros, uma rejeição natural ao que é disforme e repugnante, ainda que o suporte seja uma criatura humana" - que ela teve que pedir desculpas públicas, na tentativa de se recuperar junto às pessoas que "involuntariamente agrediu".

Frossard já está trabalhando junto a entidades de defesa de deficientes físicos, mas os inimigos políticos a consideram ferida de morte. O prefeito Cesar Maia, que ainda pode sair candidato ao governo se José Serra for o candidato do PSDB a presidente, é um deles. Como os tucanos não têm nome forte para concorrer, surgem diversos postulantes alternativos. O ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo David Zylbersztajn, ligado a grupos de discussão sobre a recuperação do Rio, com o incentivo do ex-governador Marcello Alencar, já começa a se movimentar. Mas o ex-senador Arthur da Távola, e a vereadora Andréa Gouveia Vieira, num movimento político para inviabilizar sua pretensão, pleiteiam a indicação, no pressuposto de que também representam renovação política, e têm mais votos que Zylbersztajn.

O ex-presidente do BNDES, o economista Carlos Lessa, é outro que aspira a ser candidato ao governo do Rio. Para sair pelo PMDB, que já tem um candidato extra-oficial no senador Sérgio Cabral, ele sonha com o apoio de Garotinho, para em troca dar a ele entrada em uma área de intelectuais de esquerda. São os movimentos iniciais de uma eleição que promete ser das mais radicalizadas, mas também das mais renovadoras dos últimos tempos.