Título: Izar: doação fantasma é falta de decoro
Autor: Isabel Braga e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 13/01/2006, O País, p. 8

Presidente do Conselho de Ética critica deputados que anunciaram mas não concretizaram repasse de verba extra

BRASÍLIA. A revelação de que pelo menos sete deputados anunciaram a doação do subsídio extra pela convocação para entidades assistenciais que não viram a cor do dinheiro, como mostrou O GLOBO ontem, repercutiu mal no Congresso. O presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar (PTB-SP), disse que se configura quebra de decoro parlamentar dos que prometem doações e não cumprem. Segundo ele, porém, o Conselho só poderá agir se provocado por um partido ou pela própria Mesa Diretora da Câmara.

- O dinheiro é do deputado e ele faz o que quer dele. Mas quando comunica à Mesa e às entidades, torna a doação pública. Se não concretiza, é falta de decoro - disse Izar.

Líderes reforçaram a necessidade de votar, já na semana que vem, a proposta que prevê o fim do pagamento dos dois subsídios extras, no total de R$25,6 mil. E até os contrários ao uso da verba para doação cobraram o cumprimento da promessa.

Para o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), a devolução ou a doação dos subsídios extras não ameniza o desgaste para o Congresso:

- A saída é reduzir o recesso e proibir o pagamento.

Entre os que optaram pela doação do dinheiro, o sentimento era de desânimo. Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) o desgaste do Congresso é tamanho que mesmo notícias positivas - como o fato de mais de 70 deputados recusarem o pagamento extra - acabam provocando reações negativas:

- Somos uma espécie de rei Midas ao contrário (personagem mitológico que transformava em ouro o que tocava). Tudo o que a gente toca vira lama. Quem deve estar satisfeito são os 440 deputados e 74 senadores que não abriram mão do dinheiro e estão fora da mídia.

Deputado só doa após denúncia

Na reunião do Conselho de Ética, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) disse que faria ontem a doação do dinheiro à Sociedade São Vicente de Paulo, de Juiz de Fora. Até anteontem, apesar da promessa, a entidade não havia recebido. Segundo ele, as outras entidades que relacionou já receberam os recursos e restava apenas a ouvida pelo GLOBO. Ele defendeu o fim do pagamento do extra:

- Seria melhor a extinção deste maldito recurso.

O senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO) informou que depositou ontem R$12.720 na conta da Mitra Arquidiocesana de Palmas. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) disse que havia feito um trato com as quatro entidades e que entregaria o dinheiro no dia 25 de janeiro. Ele prometeu a cada uma R$2.500.

O deputado Marcello Siqueira (PMDB-MG) informou ontem que comunicou às entidades que fará o depósito só em fevereiro porque quer entregar o dinheiro pessoalmente.

- Só vou entregar em fevereiro, quando puder sair da cama para fazer isso pessoalmente. O dinheiro é meu e eu entrego no dia que quiser. Às vezes, é melhor não fazer doação. Tem muito deputado que pega esse dinheiro para comprar um carro. Tenho vontade de deixar a política apenas com os pilantras.

Até agora 76 deputados recusaram o adicional da convocação extraordinária, devolveram o que receberam ou informaram que doaram ou vão doar a entidades. Ontem mais três anunciaram que vão abrir mão do subsídio extra: Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Júlio Lopes (PP-RJ) e Roberto Gouveia (PT-SP).

"O dinheiro é do deputado e ele faz o que quer dele. Mas quando comunica à Mesa e às entidades, torna a doação pública. Se não concretiza, é falta de decoro"

RICARDO IZAR, Presidente do Conselho de Ética

"Só vou entregar em fevereiro, quando puder sair da cama para fazer isso pessoalmente. O dinheiro é meu e entrego no dia que quiser. Às vezes, é melhor não fazer doação. Tem deputado que pega esse dinheiro para comprar um carro"

MARCELLO SIQUEIRA (PMDB-MG), Deputado que prometeu fazer a doação

Legenda da foto: O PRESIDENTE DO CONSELHO de Ética, deputado Ricardo Izar, durante a sessão