Título: HOMEM QUE TENTOU MATAR PAPA DEIXA A PRISÃO
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Fonte: O Globo, 13/01/2006, O Mundo, p. 29

Libertação do turco Agca após 25 anos preso gera polêmica na Turquia e ministro pede revisão de ordem de soltura

ISTAMBUL. Mehmet Ali Agca, o turco que tentou matar o Papa João Paulo II em 1981, deixou ontem uma prisão turca, depois de passar quase 25 anos atrás das grades. Ele foi posto em liberdade condicional após receber um indulto que está gerando uma forte controvérsia no país.

Aos 48 anos e com os cabelos brancos, Agca deixou ontem de manhã a prisão de alta segurança em Kartal, Istambul, sob aplausos de militantes de extrema-direita e protestos da família do jornalista Abdi Ipekci, assassinado por ele em 1979. Um nacionalista jogou pétalas de rosa sobre o carro em que viajava.

Agca - que havia sido condenado à revelia em seu país pela morte de Ipekci - cumpriu 19 anos numa penitenciária italiana pelo atentado contra João Paulo II. Ele nunca revelou os motivos para atirar no Papa, na Praça São Pedro. Após receber o perdão do pontífice, Agca foi indultado em 2000 e extraditado para a Turquia.

Pelas leis turcas, os anos de prisão na Itália foram deduzidos da sentença de 25 anos na Turquia. Mas sua libertação despertou fortes críticas:

- A lei foi assassinada hoje, ela não tem mais sentido - protestou o ministro da Justiça da Turquia, Cemil Cicek, que pediu uma revisão da ordem de soltura.

Vontade de ver o Bósforo e de escrever uma "Bíblia"

Fortemente escoltado, Agca foi levado para um centro de recrutamento do Exército, que o cobra por não ter prestado serviço militar. Ainda não está claro se ele vai realmente servir, se receberá isenção médica ou se pagará uma multa. Com semblante sério, Agca nada falou ao chegar ao centro, mas deu aos repórteres uma cópia da capa da revista "Time" com a foto de seu encontro com o Papa. "Por que perdoar?", perguntava o título.

Segundo seu irmão, Adnan, o que Agca quer agora é comer uma refeição de feijão com arroz num restaurante voltado para o Estreito do Bósforo, o canal que divide Istambul entre Europa e Ásia.

Mas sua libertação está despertando fortes reações. A filha do jornalista liberal assassinado publicou uma carta na primeira página do jornal "Milliyet" em que dizia: "Ele não é apenas o assassino de meu pai. Eu o vejo como um assassino nacional." O mesmo jornal publicou como manchete: "Dia da vergonha".

O advogado Turguc Kazan explicou que seu cliente se beneficiou da lei de anistia, de 1999. Mas a tese de erro judicial está sendo apoiada pelo próprio autor da lei, o ex-ministro da Justiça Hikmet Sami Turk.

- Uma pessoa não pode se beneficiar de duas anistias. Ele já foi beneficiado na Itália. É como se tivesse fugido da cadeia.

Mais de 20 anos depois, o atentado contra João Paulo II permanece envolto em mistério, com rumores de que Agca agia a mando de serviços de inteligência de países da Europa Oriental, alarmados com a oposição do Papa polonês ao comunismo. Ferdinando Imposimato, o juiz italiano que investigou o atentado, acredita que Agca esteja correndo risco de ser assassinado numa queima de arquivo.

O ex-preso diz que agora é um homem de paz, escolhido por Deus. Um jornal turco afirmou que Agca pretendia escrever uma Bíblia após deixar a prisão e que gostaria de se encontrar com o sucessor de João Paulo II, o Papa Bento XVI.

TIROS, PROFECIA E MISTÉRIO

Quase 25 anos após o atentado contra o Papa João Paulo II, o assunto permanece envolto em mistério. As teorias envolvem a participação de espiões da KGB, conspirações no Vaticano e uma organização de extrema-direita conhecida como Lobos Cinzentos.

No dia 13 de maio de 1981, João Paulo II acenava para fiéis na Praça São Pedro, no Vaticano, quando levou quatro tiros. O agressor foi logo preso: ele era o turco Mehmet Ali Agca, membro do grupo Lobos Cinzentos, que ameaçara matar o Papa em sua viagem à Turquia, em 1979.

Durante o julgamento na Itália, Agca disse que era a reencarnação de Jesus Cristo e que os tiros eram o cumprimento da profecia feita pela Virgem Maria a três crianças de Fátima, em Portugal, em 1917. Mas analistas acreditam que ele nunca revelou o verdadeiro motivo. Houve rumores de que os serviços secretos soviético, a KGB, e o búlgaro - a chamada Conexão Bulgária - estariam por trás do atentado, mas os promotores não conseguiram provar a ligação de Agca com eles.

Um juiz italiano que investigou o atentado está convencido do envolvimento soviético contra o Papa polonês, que ajudaria a derrubar o comunismo. Os russos sempre negaram o envolvimento da KGB. Recentemente foi desmascarado um religioso polonês no Vaticano, que espionou para o governo comunista de Varsóvia.

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Legenda da foto: AO LADO de seu advogado, Ali Agca deixa a prisão, em Istambul