Título: BRASIL DOMINA TECNOLOGIA NUCLEAR
Autor: Ramona Ordoñez
Fonte: O Globo, 14/01/2006, Economia, p. 23

Com know-how da Marinha, INB inaugura fábrica de enriquecimento do urânio

OBrasil entrará para um seleto clube que agora terá nove países detendo a tecnologia e a produção em escala industrial do urânio enriquecido, combustível para as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. No próximo dia 20 está prevista a inauguração da fábrica de enriquecimento de urânio, construída em Resende pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB) ¿ estatal responsável pela produção do combustível ¿ e com tecnologia da Marinha. O presidente da INB, Roberto Garcia Esteves, destacou que o país agora é, na prática, auto-suficiente no domínio da tecnologia do setor nuclear.

Na produção do combustível nuclear, a fase do enriquecimento é a mais estratégica ¿ e praticamente a única que não acontecia no país. Agora, apenas a etapa de transformar o concentrado de urânio, o yellow cake (pasta amarela), em gás é feita no exterior, por não ser economicamente viável ter uma usina no país.

No complexo industrial da INB em Resende estão também as unidades das outras etapas de fabricação do combustível nuclear. Apesar de anunciada, a assessoria do Palácio do Planalto informou que a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na inauguração da fábrica de enriquecimento de urânio é apenas uma previsão e não foi confirmada por questões de agenda. No dia 20, do Rio Lula segue para o Acre, onde tem eventos no sábado. Fontes do setor informaram, no entanto, que devido às pressões que o Irã tem sofrido dos EUA e da União Européia (UE) contra o desenvolvimento do enriquecimento de urânio naquele país, o governo poderia tomar a decisão política de adiar a inauguração.

Nova fábrica é alvo de críticas

Além do Brasil, dominam a tecnologia do enriquecimento de urânio Alemanha, Holanda, Inglaterra, França, EUA, China, Japão e Rússia. Essa tecnologia não se transfere porque pode ser usada para a fabricação de armas atômicas. O urânio é encontrado na natureza com um nível de enriquecimento de 0,7%. Para ser usado nas usinas, precisa ter um grau de enriquecimento de 5%, enquanto o percentual para artefatos bélicos tem de chegar a 90%.

¿ O enriquecimento é uma tecnologia sofisticada e muito restrita, porque pode ser diversificada para armamentos ¿ explicou Esteves.

A nova fábrica tem provocado muitas críticas. O deputado Carlos Minc (PT-RJ) acha a construção um erro. Segundo ele, não faz sentido o Brasil persistir no erro depois de tantos prejuízos com seu programa nuclear:

¿ É uma energia mais cara do que outras que temos no Brasil, como a solar, a eólica e a biomassa. Além disso existem sérios problemas de segurança e de destino do lixo atômico. Muitos países estão abandonando seus programas.

¿ Não sou contra energia nuclear, discordo de como o programa foi feito. Mas já que o país tem um programa de geração de energia elétrica com usinas nucleares, é importante dominar o enriquecimento ¿ disse o coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa.

Já os dirigentes da ONG Greenpeace são radicalmente contra o país ter uma usina de enriquecimento.

Na unidade de Resende, a Marinha vai instalar as cascatas (conjuntos de máquinas) de ultracentrífugas de forma gradual. O projeto da INB prevê a instalação de 16 cascatas até 2010, para chegar à produção de 114 mil unidades de trabalho separativo (UTS, medida utilizada para o urânio). Esse volume será suficiente para atender a 60% das necessidades de Angra 1 e 2. O presidente da INB explicou que para atingir essa etapa serão necessários investimentos de US$400 milhões. Desse total, já foram gastos cerca de US$100 milhões.

O Brasil gasta US$25 milhões por ano para enriquecer lá fora o urânio. Segundo Esteves, atingir a produção de 114 mil UTS significará uma economia anual de US$16 milhões.

¿ Para atender totalmente às necessidades das duas usinas, seria preciso uma produção de 200 mil UTS por ano, o que custaria mais US$150 milhões ¿ disse Esteves.

As centrífugas são construídas pela Marinha e vão para Resende encapsuladas e lacradas. Os operadores da fábrica de enriquecimento não podem abrir as cápsulas. Em caso de uma das centrífugas apresentar problemas, elas são isoladas e devolvidas à Marinha. Todo esse cuidado é para evitar o roubo da tecnologia.

COLABOROU Luiza Damé