Título: Hora de queda
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 14/01/2006, Economia, p. 24

O ano econômico começou com uma série de boas notícias; e muitas dúvidas. Será um bom ano, mas, de novo, o país pode ter que se conformar com um ano pior do que poderia ter. Um ponto decisivo é o que acontecerá com as taxas de juros: elas precisam e podem cair mais rapidamente. Há pouca esperança, no entanto, de o Brasil passar a ser um país normal, com juros razoáveis, a curto prazo.

A inflação de 2005 consolidou uma tendência de queda que vem desde 2002 quando, pela primeira vez após o Plano Real, o índice havia terminado em dois dígitos. A alta naquele momento foi conseqüência do estresse eleitoral, um preço pago pelo discurso antiestabilização do PT nos anos anteriores. A conversão de uma parte do petismo ao esforço estabilizador permitiu a queda da taxa; a manutenção da política econômica dos últimos anos a trouxe de quase 13% em 2002 para 9,3%, em 2003; para 7,6%, em 2004; para 5,7%, em 2005. No ano passado, aconteceu um fato raro: a inflação dos mais pobres ficou ainda mais baixa. O INPC, que mede os preços dos produtos consumidos por quem ganha até oito salários-mínimos, ficou em 5,05%.

Todas essas conquistas são admiráveis, mas o Brasil tem que ser um país normal, onde a inflação permaneça baixa sem o peso de medidas excepcionais e de preços impagáveis. Manter uma taxa de juros reais de dois dígitos num mundo de juros baixos; conformar-se com um PIB pífio numa era de grande crescimento mundial; aceitar que, apesar do forte superávit primário, a dívida/PIB permaneça tão alta; conviver com uma taxa de câmbio excessivamente baixa são situações aceitáveis por um período, mas não é razoável que seja a política econômica do resto de nossas vidas.

No ano passado, o câmbio baixo não impediu um extraordinário resultado de balança comercial. Foi mesmo impressionante o que os exportadores brasileiros conseguiram. O Brasil exportou 22,6% mais, importou 17% mais e teve uma alta de 33% no superávit. Isso é excelente, mas é bom olhar para o lado antes de bater bumbo. A China triplicou seu saldo comercial no ano passado, saindo de US$32 bilhões para US$102 bilhões. Conseguiu isso aumentando o déficit comercial americano. Isso agrava uma distorção da economia mundial. No ano passado, mesmo sem o dado de dezembro, os Estados Unidos acumularam um déficit comercial maior do que o do ano anterior.

Há uma boa chance de que 2006 continue sendo de crescimento com abundância de fluxo de capitais. Isso facilita a situação brasileira, que será marcada pela natural ansiedade de um processo eleitoral. Mesmo com o mundo jogando a favor, há um limite para os erros que se podem cometer. A sensação de gasto público descontrolado e sem critério não pode ser confirmada, porque isso ameaça a estabilização e afugenta os financiadores, externos e internos, da nossa grande dívida pública.

O Banco Central tem que sair da atitude de excessiva retranca. O BC reduziu a zero a dívida cambial com as operações desta semana, mas os juros são tão altos que derrubam o dólar. A solução de comprar dólares para tentar evitar maiores quedas é desastrosa. O Banco está comprando um ativo que se desvaloriza e, em troca, assumindo um passivo que custa 18% ao ano. Não precisa ser economista para saber que isso é um mau negócio.

A produção industrial de novembro, que veio muito abaixo das previsões de mercado, foi um sinal claro do efeito dos juros altos sobre a economia. A inflação baixa é outro efeito ¿ bom efeito ¿ dos juros sobre a economia. Porém, este ano há menos pressão sobre a inflação, em parte, pela queda dos IGPs no ano passado, que reduzem a perspectiva de elevação das tarifas públicas. Desde o início do Plano Real, os preços administrados sobem mais que os preços livres. Em 2005, por exemplo, os administrados subiram 9%; os livres, 4,3%. Neste ano, pela primeira vez, há chance de as tarifas subirem menos. Claro, isso se não inventarem mais um truque, mais uma cláusula contratual que favoreça as concessionárias. Se seguirem a regra de uso do IGP como base de reajuste de uma parte da tarifa, o BC pode reduzir mais rapidamente a taxa de juros, mantendo o mesmo compromisso de atingir a meta de 4,5% de inflação.

Na semana que vem, o Banco Central fará a primeira reunião do ano, já no novo calendário de uma reunião a cada 44 dias. O ritmo de queda pode ser elevado. Se fizer opção pelo mesmo 0,5 ponto percentual, o BC estará, na prática, aumentando o aperto da política monetária. Durante o ano passado, os juros reais subiram ao longo do ano: de início, porque subiram os juros nominais; depois, porque a inflação caiu.

Não há nada que justifique manter juros tão estratosféricos assim. Os relatórios dos bancos, no entanto, depois de esmiuçarem todos os documentos do Banco Central e declarações dos seus dirigentes, estão prevendo uma queda na taxa de juros de 0,5 ponto percentual ou de, no máximo, 0,75 pp. O argumento é que os primeiros dados da inflação de janeiro estão um pouco acima do esperado.

No mínimo, os juros deveriam cair um ponto percentual na reunião da próxima semana. Primeiro, porque 17% de juros já é dose para leão; segundo, porque o dólar está no chão; terceiro, porque a inflação caiu dois pontos percentuais no ano passado e a expectativa é de nova queda este ano; quarto, porque o país está crescendo pouco e a produção industrial de novembro foi um fiasco; quinto, sexto e sétimo, porque 13% de juro real é taxa de país em crise econômica. A hora de os juros caírem é agora.