Título: À MARGEM DO FMI
Autor:
Fonte: O Globo, 15/01/2006, Opinião, p. 6

Gente do governo e de dentro do PT reclamou da falta de maiores comemorações pela antecipação do pagamento da parcela restante da dívida com o Fundo Monetário Internacional, de US$15,6 bilhões. Não faltaram declarações superlativas no estilo do presidente Lula. Mas como parecia se tratar de um ¿não ao FMI¿, slogan pétreo da esquerda, havia quem quisesse produzir algum ruído especial em torno do fato. Pura bravata para iludir incautos. Pois nem de longe aconteceu o que os radicais do passado apregoavam: a ruptura unilateral e irreversível com o Fundo, símbolo de todos os males do ¿capital financeiro monopolista internacional¿, braço do famigerado ¿imperialismo ianque¿.

Devido ao volume das reservas em divisas, acumuladas em função do avanço do comércio exterior e da conjuntura favorável na liquidez internacional, houve tão-somente a decisão racional de antecipar-se em um ano a liquidação dessa dívida, com a economia em juros estimada pelo governo em US$900 milhões. Some-se o efeito positivo nas avaliações de risco feitas pelo mercado financeiro.

O resgate da dívida com o Fundo não desobriga o Brasil, é claro, de ser sensato em matéria de política econômica. Foi pela ausência de heterodoxias na condução da economia ¿ algumas delas defendidas com ardor dentro do PT e vizinhanças ¿ que o país acumulou em 2005 resultados extremamente positivos: uma inflação (IPCA) de 5,69%, acima do núcleo da meta, de 5,1%, mas o mais baixo índice desde 1998 e muito inferior ao de 2004 (7,6%); um superávit recorde de US$44,7 bilhões no comércio e, mais uma vez, saldo positivo no balanço de pagamentos em conta corrente.

O preço pago pelo controle da inflação foi a perda de fôlego no crescimento da economia, determinada pelos juros ¿ mas que se encontram em queda. Os pontos críticos ¿ fica cada vez mais evidente ¿ estão na política fiscal, por causa do crescimento desmedido dos gastos com custeio, problema que será agravado pelo novo aumento real do salário mínimo, com reflexos imediatos na Previdência do INSS, dos estados, municípios e nos gastos sociais.

Impõe-se ao país desatar esse nó, sem aumento de impostos ¿ ao contrário ¿, sem cortes nos já esquálidos investimentos, e, por óbvio, sem aventuras. Independentemente de acordos com o FMI.