Título: `O FÓRUM FOI VITRINE PARA O PT E VAI SER PARA CHÁVEZ¿
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 15/01/2006, O País, p. 10
Para fundadora do Fórum, Lula ouvirá críticas no evento
Uma das principais fundadoras e membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, a jornalista Maria Luísa Mendonça diz, em entrevista ao GLOBO, que o capítulo venezuelano do maior encontro mundial da esquerda, que acontece em Caracas entre os próximos dias 24 e 29, corre o risco de funcionar como vitrine do chavismo, da mesma forma como já serviu ao presidente Lula e ao PT, apesar dos cuidados tomados pelos organizadores.
Até que ponto o Fórum Social Mundial poderá ser crítico num território marcadamente chavista e inclusive com patrocínio financeiro de Chávez?
MARIA LUÍSA MENDONÇA: Houve grande cuidado das organizações. Mas é claro que a popularidade do presidente é muito grande e as pessoas vão querer vê-lo. Como em 2003, quando todo mundo queria ver Lula em Porto Alegre. Mas não quer dizer que foi um Fórum para apoiar o governo Lula. As pessoas vão querer ver de perto os projetos de Chávez e conhecer a realidade venezuelana.
A oposição a Chávez não deve ganhar espaço no Fórum? Não corre o risco de esta edição se tornar muito governista?
MARIA LUÍSA: Este risco sempre há. E sempre houve aqui no Brasil, com o governo Lula. É uma preocupação que temos desde o início. Houve uma conversa muito franca para respeitar as instituições organizadoras do Fórum. O governo não fará eventos sem consultas.
Não há risco de propaganda do chavismo no Fórum?
MARIA LUÍSA: Este risco há. Existiria em qualquer país onde o governo tivesse simpatia da maioria das organizações do Fórum. É difícil evitar. Não conseguimos evitar isso em Porto Alegre (com Lula). Por mais que tentamos evitar, o Fórum sempre foi um pouco vitrine para o governo do PT no Brasil e vai ser vitrine para o governo Chávez. O que estamos tentando construir é a forma de participação dos governantes, não só do Chávez, mas de Lula, Evo Morales, para que eles não sejam o único tema do Fórum. Uma idéia é fazermos um único evento, em um dia só, para que a participação dos chefes de Estado não se torne o tema central.
Este Fórum tem sido entendido como uma reunião do chamado ¿eixo do bem" e seus apoiadores. É intencional?
MARIA LUÍSA: Na avaliação do Conselho Hemisférico, é importante criar um sentimento de defesa dos processos democráticos da América Latina. Dos anos 60 aos 80 tivemos processos muito traumáticos. Agora, com governos democraticamente eleitos e donos de uma posição antiimperialista, (a América Latina) representa um risco novamente. Na Venezuela é evidente o apoio dos Estados Unidos à direita. As pessoas consideram o Fórum importante e acham que quem ficar fora da festa perde.
Lula está ficando de fora da festa? Ou haverá grande pressão sobre ele agora?
MARIA LUÍSA: O Fórum vai ser importante porque vai colocar os representantes do governo e do PT em contato com o sentimento popular e social na América Latina. A gente espera que isso tenha algum impacto e se reflita nas decisões do governo.
O PT está preocupado com sua participação e deve se mobilizar para "limpar a barra" no Fórum. Qual é a sua avaliação disso?
MARIA LUÍSA: O PT está no seu papel. Agora, até que ponto o público do Fórum não criticará ou ignorará atitudes do governo Lula, é outra história.
Por exemplo?
MARIA LUÍSA: Há temas em que as pessoas são mais críticas fora do Brasil. Há a presença do Brasil no Haiti, transgênicos, a não-realização da reforma agrária, assassinatos no campo, o caso da Irmã Dorothy... É um público conscientizado. O mais interessante para o governo e o PT será escutar os movimentos sociais, assumir compromissos e aproveitar o ano para fazer mudanças no governo.
Em 2005, o PT e o governo disseram isto, que ouviriam propostas e tentariam fazer mudanças. Vocês sentiram as tais mudanças?
MARIA LUÍSA: Não, realmente não. O que nós avaliamos foi que não podemos dizer que houve mudança. Inclusive, na última reunião da OMC, o Brasil foi um dos países que se aliou aos Estados Unidos para garantir que a OMC ganhasse um novo fôlego. Então, a avaliação crítica se mantém.