Título: Luz amarela para o real falso
Autor: Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 15/01/2006, Economia, p. 29

Um em cada três brasileiros já recebeu nota falsificada. No comércio, são 74%

Omovimento de cédulas falsas de real no Brasil acabou de ser mapeado e o sinal amarelo foi aceso dentro do Banco Central (BC). Pesquisa inédita encomendada pela instituição mostrou que quase um em cada três brasileiros ¿- ou 30% da amostra ¿ já recebeu uma nota falsa, percentual que sobe para 38% na Região Sudeste. O dado chama ainda mais a atenção porque, hoje, quase 90% da população usam mais freqüentemente dinheiro vivo para pagar suas contas. No comércio, que também fez parte do levantamento ¿O brasileiro e sua relação com o dinheiro¿, a situação é mais grave: 74% disseram que já tiveram contato com notas falsificadas.

¿ Nós nos surpreendemos com esses números. Eles chamam a atenção e são preocupantes ¿ afirma o chefe do Departamento do Meio Circulante do BC, João Sidney de Figueiredo Filho.

A pesquisa, realizada pelo Instituto Datafolha e à qual o GLOBO teve acesso com exclusividade, foi feita em agosto e entregue ao BC no mês passado. Foram ouvidas 2.055 pessoas em todo o país, inclusive quem trabalha no comércio. Figueiredo destaca que, apesar de os números serem surpreendentes, não foi detectado se as pessoas que disseram ter recebido uma cédula falsa tinham certeza de que se tratava de uma fraude. Mesmo assim, para ele a amostra é relevante e indica que o problema de falsificação no país pode ser maior do que se imagina.

Cédulas falsas são repassadas

No fim do ano passado, o BC divulgou que havia recolhido só pouco mais de R$11 milhões em reais falsos durante 2005, praticamente nada se for levado em conta que estão no mercado R$71 bilhões em dinheiro. Rotineiramente, as notas de real voltam ao BC para averiguações, uma das maneiras de tirar de uso as falsificadas. Para Figueiredo, a saída é intensificar o trabalho do BC para informar melhor as pessoas. Ele usa como exemplo convênio com os Correios, cujos funcionários serão treinados. Isso pode evitar prejuízos.

O ambulante Francisco Vale do Nascimento conseguiu se livrar de um golpe por saber como é o papel das notas verdadeiras. Nascimento conta que uma pessoa tentou comprar dois relógios com R$50 falsos, mas ele percebeu que algo estava errado. O vendedor começou a se preocupar mais em checar as cédulas depois de ter embolsado duas notas de R$5 falsificadas.

¿ Eu conheço pelo papel a nota falsa. Ela normalmente escorrega mais fácil quando não é verdadeira ¿ diz ele, mais cuidadoso quando os valores são elevados.

O perfil do ambulante se assemelha ao levantado pela pesquisa: 53% da população disseram que costumam verificar se a nota é verdadeira, mas apenas 27% fazem essa verificação em todos os valores. No comércio, sobe para 90% a fatia dos que verificam se há tentativa de golpe ¿ e 58% fazem a checagem para todos os valores.

A pesquisa mostrou, ainda, que cerca de 18% da população tentam passar para a frente a cédula falsa, porque não querem ter prejuízo, mesmo sendo crime. No comércio, apenas 2% dizem que tentam adotar essa prática, sendo que 72% orientam seus funcionários a devolver a nota para a pessoa ou a empresa de quem receberam ¿ a prática correta. Se a pessoa tentar repassar uma cédula falsa, mesmo que a tenha recebido por engano, pode ser presa. A pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção.

Existem diversas maneiras de se saber se uma nota de real é falsa. São dicas importantes como verificar a marca d¿água (ausente em 60% das cédulas falsas), o fio de segurança e o tipo de papel. Se alguém pegar uma nota falsa, o BC orienta a levá-la ao banco ou à Polícia Federal, o que ajuda no rastreamento dos falsários. A pessoa não será presa ou investigada, a não ser que esteja com volume grande. Mas terá um recibo de que entregou a nota para, caso não seja falsa, tê-la de volta. Se for falsificada, ficará no prejuízo.

Na era do cartão, 87% usam dinheiro vivo

Sem informações de como proceder e duplamente vítima, a comerciante Albina Pereira Santos guarda até hoje a nota falsa de R$50 que recebeu de uma ¿cliente¿, que comprou uma calcinha por apenas R$5. Além de perder a mercadoria, arcou com o prejuízo, mas diz ter esperança de encontrar a pessoa que a enganou e recuperar a perda.

¿ Passar para a frente é que eu não acho certo ¿ diz.

O chefe da Divisão de Repreensão a Crimes Fazendários da Polícia Federal, Marcos Aurélio de Moura, também se mostrou surpreso com os resultados da pesquisa. Ele explicou que o melhor é não ficar com a nota falsa porque, no caso de ser parado pela polícia, o portador está sujeito às mesmas penalidades do falsificador, de três a 12 anos de prisão.

¿ Muita gente tem medo de entregar nota falsa para nós. Isso mostra que falta muita informação mesmo.

A pesquisa também mostra que, na era dos cartões inteligentes, o brasileiro prefere usar dinheiro vivo. Dos entrevistados, 87% disseram que utilizam mais freqüentemente notas ou moedas para pagar suas contas. Essa é a preferência de 95% nas lanchonetes e até de 92% para pagamento de aluguel e condomínio. No comércio, cerca de 84% recebem pagamentos em dinheiro vivo.

¿ As pessoas não ganham muito e, por isso, não têm conta bancária. Estão excluídas do sistema bancário ¿ argumenta Figueiredo, do BC.

Com o uso elevado do dinheiro, o desgaste das cédulas é inevitável. Para 47% dos entrevistados ¿ 44% no comércio ¿ as notas que usam normalmente não estão em bom estado.

¿ Meio circulante desgastado é propício para falsificação ¿ alerta Figueiredo, lembrando que essas notas podem ser trocadas nos bancos por outras novas.

SÓ 2% DOS BRASILEIROS CONHECEM NOTA DE R$100,