Título: Radicalismo num retorno da direita
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 15/01/2006, O Mundo, p. 36

Sebastián Piñera transformou-se num fenômeno midiático que provocou uma série de curiosas distorções na percepção que boa parte da população tem dele. Um dos homens mais ricos do Chile ¿ ele é o dono da empresa aérea LanChile ¿ é considerado um representante da classe média por seus eleitores. Além disso, presidente do partido Renovação Nacional (RN) até 2004, passa a imagem de alguém de fora da política, segundo estudo da empresa de pesquisas de opinião Lado Humano. Mas sobre um tema não há dúvidas: a eleição de Piñera significaria o retorno da direita ao poder no país, de onde saiu junto com o ditador Augusto Pinochet em 1990.

O candidato foi considerado a grande surpresa do primeiro turno das eleições, quando superou Joaquín Lavín, da União Democrata Independente (UDI), que durante praticamente todo o mandato do presidente Ricardo Lagos foi considerado o homem da direita para o pleito de 2005. Na verdade, Piñera perdera o cargo de líder de seu partido por decisão de Lavín, que, como candidato natural da aliança UDI-RN, pediu sua cabeça e conseguiu.

Porém, nos últimos dois anos, Lavín perdeu a vantagem de ser a candidatura mais ligada a Pinochet. Não por ter abandonado sua defesa do que chama de ¿conquistas do regime¿, mas porque a descoberta de contas milionárias secretas do ex-ditador no exterior tornou-o uma peça irrelevante no jogo político. Abriu-se a porta para o avanço de Piñera, que tinha uma carta na manga: no plebiscito que deu fim ao regime em 1988, militar, ele votou contra Pinochet.

Mas as diferenças entre RN (direita defensora do livre mercado) e UDI (extrema-direita, pinochetista) não se refletiriam tão fortemente num governo Piñera, uma vez que, necessariamente, o governo será dividido entre os dois partidos.

¿ Se Piñera vencer, a governabilidade será dada ao governo pela UDI ¿ afirma o analista Pablo Lira, do Instituto Liberdade.

Segundo especialistas, a área social de um governo Piñera seria formada pela UDI, que tem como uma de suas características políticas assistencialistas. O próprio Lavín é cotado para o Ministério do Desenvolvimento Humano. Já a RN ficaria com as pastas econômicas.

Este quadro levaria o Chile a radicalizar e não apenas manter o sistema criado pela ditadura, como possivelmente haveria áreas em que novas reformas neoliberais seriam feitas, como no setor das leis trabalhistas.

O caso exemplar do regime Pinochet foi a reforma do sistema previdenciário. O Chile é o único país do mundo em que não há qualquer participação estatal. Ou seja, cada chileno deve fazer suas próprias economias, aplicando num fundo de pensão ¿ apenas a parcela mais pobre da população recebe uma pequena aposentadoria do Estado. O problema é que a privatização da previdência está completando 25 anos este ano, o que significa a chegada da primeira grande leva de aposentados deste sistema.

¿ No nosso sistema privado de seguridade social, os fundos de pensão se tornaram os maiores investidores em muitos setores, como empresas, bolsas, na economia como um todo. Mudar isso poderia ser um desastre ¿ diz o analista Gonzalo Muller.

Piñera, no entanto, prometeu aumentar as aposentadorias dos mais pobres e dar proventos às donas de casa que estejam na parcela dos 60% mais pobres da população.

Nas questões morais, um Chile de Piñera não deverá avançar. O candidato se diz contra qualquer tipo de aborto e divórcio, e, apesar de afirmar nada ter contra os homossexuais, foge às perguntas sobre a possibilidade de união civil gay. (R.G.)