Título: BACHELET PRESIDENTE
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 16/01/2006, O Mundo, p. 21

Socialista se torna a primeira mulher a governar o conservador Chile

Filha de um militar que morreu numa prisão durante a ditadura de Augusto Pinochet, separada duas vezes no último país do Ocidente a legalizar o divórcio (há menos de um ano), agnóstica numa nação em que não há uma separação oficial entre Igreja e Estado, Michelle Bachelet foi eleita ontem presidente do Chile. Sua vitória, comemorada por dezenas de milhares de pessoas no centro de Santiago, significa não apenas a continuidade do bem-sucedido governo de Ricardo Lagos, mas é considerada por seus aliados como uma mudança na mentalidade da sociedade chilena.

Com 97,52% das urnas apuradas, a socialista Bachelet, da Concertação (aliança de socialistas, social-democratas e democratas-cristãos), tinha 53,52% dos votos, contra 46,48% de Sebastián Piñera, da aliança entre a Renovação Nacional (direita neoliberal) e a União Democrata Independente (UDI, a direita pinochetista).

- É o início de um novo ciclo para o país. Agora sim, a transição (da ditadura, terminada em 1990, para a democracia) terminou - afirmou Andrés Zaldívar, chefe da campanha de Bachelet no segundo turno.

Antes mesmo de terminar a apuração dos votos, o oposicionista Piñera reconheceu a derrota e foi até o comando da campanha da presidente eleita. Bachelet é a primeira mulher sem vínculos de parentesco com governantes anteriores eleita para governar um país da América Latina. O presidente Ricardo Lagos disse que "é um orgulho" que o Chile seja presidido pela primeira vez por uma mulher e afirmou que a eleição foi um novo triunfo da democracia.

Muitos acreditam que, se as bases da economia chilena não devem ser alteradas, mudanças sociais e culturais são esperadas. Junto com sua vitória, a Concertação conseguiu a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, seu Partido Socialista tornou-se majoritário dentro do bloco. E Bachelet faz parte da ala mais à esquerda do partido.

Otimismo nas seções femininas

Durante a apuração, o otimismo já tomava conta notadamente das seções eleitorais de mulheres. A cada voto anunciado para Bachelet, mulheres e crianças comemoravam, com vaias para os votos a Piñera. Nas mesas masculinas, nas quais na maioria houve vitória de Piñera, o entusiasmo não era o mesmo.

Bachelet chegou à sua seção dirigindo o próprio carro, com a mãe, Angela, e a filha, Sofía, de 13 anos. A falta de preparo da polícia logo ficou clara, pois não esperaram a presença de um número muito maior de jornalistas em relação ao primeiro turno. Após uma verdadeira luta para chegar à urna, ela demonstrou otimismo.

- É um grande dia porque hoje todos somos iguais e cada um decide com a mesma igualdade quem quer que seja aquele que conduzirá nosso país nos próximos anos.

Já Piñera, que aparentemente levou uma claque para aplaudi-lo em sua chegada à sua seção eleitoral, também demonstrou esperança na vitória, apesar de as pesquisas não indicarem que isso fosse provável.

- Peço a todos os chilenos que votem tranqüilos e se lembrem que dentro da urna não há intervenção , não há pressões, não há abusos - disse, referindo-se às denúncias que fizera sobre um possível uso da máquina do Estado pela candidatura de Bachelet.

A calma foi a tônica da eleição em todo o país. O único incidente mais grave ocorreu em Santiago no momento em que um dos líderes da UDI, Pablo Longueira, chegou à sua seção eleitoral. Ele foi cercado por pessoas que gritavam "assassino", numa referência a seu passado de apoio à ditadura. O protesto se tornou violento e o político foi alvo de pessoas que cuspiam, atiravam moedas e pedras, chegando a receber um soco. Governo e oposição condenaram o ataque.

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Legenda da foto: ELEITORES DE Bachelet comemoram em Santiago após os resultados serem anunciados: mudança de mentalidade