Título: BELEZA FALSIFICADA
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 17/01/2006, Rio, p. 11

Quadrilha adultera produto usado em implantes contra rugas e sulcos no rosto

Aatuação de uma quadrilha especializada em falsificar a substância Meta Crill, usada em implantes para a correção de rugas, sulcos da face e contorno corporal, está sendo investigada pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial, conhecida como Delegacia Antipirataria. Com base no Rio e ramificações em São Paulo e no Espírito Santo, o grupo fabrica e vende o produto, que pode causar infecções e até necrose nos pacientes. Além dos riscos à saúde, a pirataria estética causa um prejuízo anual de R$4,6 milhões ao laboratório responsável pelo registro da fórmula na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Monitorada há três meses, a quadrilha distribui o produto falsificado em diversos estados e até no exterior. As investigações da polícia comprovaram que o grupo exporta o falso Meta Crill para Argentina, Uruguai, México, Costa Rica, Equador, França, Portugal e Espanha. José Alfredo Damásio, diretor-presidente da Nutricel, laboratório que detém o direito de fabricação do produto, estima em 80% a fatia do mercado nas mãos dos piratas.

¿ Para se ter uma idéia, nossa linha de produção tem autonomia para fabricar 1.600 frascos de Meta Crill por hora, mas estamos operando com menos de 20% de nossa capacidade ¿ afirma Damásio, que chegou cogitar a possibilidade de fechar o laboratório.

O preço do Meta Crill falsificado varia de R$300 a R$350. Já o produto original é vendido por R$391.

De acordo com o delegado Marco Henrique Ribeiro, a quadrilha produz o falso Meta Crill numa casa sem a estrutura necessária para garantir as condições mínimas de higiene do produto.

¿ Isso aumenta muito os riscos de complicações para os pacientes ¿ alerta o delegado.

O policial ressalta que o artigo 273 da Lei 9.677/98 classifica a falsificação de medicamentos como crime hediondo, inafiançável, punido com pena de dez a 30 anos de reclusão para os responsáveis. Marco Henrique lembra que, mesmo sendo um produto com fins estéticos, o Meta Crill é indicado na lista da Anvisa como correlato a medicamento.

Médico afirma que a fiscalização é precária

O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, reagiu com surpresa aos números da falsificação da substância.

¿ Se os piratas controlam 80% desse mercado, isso prova a precariedade da fiscalização da Vigilância Sanitária. Basta percorrer os consultórios para encontrar o produto falso ¿ diz o médico.

Darze acrescenta que o profissional tem sua parcela de responsabilidade ao comprar um produto falsificado. Na opinião do diretor do sindicato, também cabe punição ao médico que emprega a substância, colocando em risco a saúde do paciente.

A dermatologista Giseli Petrone confirma o risco maior no uso do produto falsificado. Segundo a médica, o Meta Crill verdadeiro é empregado há menos de dez anos, sem que testes tenham sido feitos para avaliar a longo prazo a reação do organismo à substância.

¿ Em relação à falsificação, os riscos são ainda maiores. Afinal, não há controle da Anvisa ¿ argumenta.

A Associação Brasileira de Dermatologia está fazendo biópsia em amostras de pacientes que fizeram o implante há seis anos. O objetivo é detalhar a reação do organismo ao produto.

Para o cirurgião plástico Marcos Matsuda, que já usou o Meta Crill em alguns pacientes, a descoberta da falsificação do produto deve servir de alerta aos profissionais.

¿ Não tive problemas com meus pacientes, mas na associação há relatos de pessoas que apresentaram reação ¿ observa Matsuda.

A assessoria da Anvisa, em Brasília, informa que os técnicos da agência não têm conhecimento da falsificação do produto, que deve ser fiscalizado pelos funcionários da vigilância Sanitária dos estados.

O Meta Crill é um implante injetável composto de microesferas de polimetilmetacrilato (PMMA) suspensas em gel mineral. Além de ser empregado na correção de rugas e sulcos da face, o produto é usado também para aumentar o volume dos glúteos e dos lábios.

A manipulação da substância em laboratórios ilegais aumenta o risco de contaminação do composto, que deve aglutinar microesferas de acrílico com dimensão entre 30 e 50 micras. Esferas abaixo desse padrão podem cair na corrente sangüínea do paciente, provocando trombose e outras complicações.

Apesar de serem muitas vezes confundidos, o Meta Crill e o Botox não são produtos similares. Derivado da toxina botulínica, o Botox é aplicado nas raízes dos músculos faciais, provocando a paralisia temporária e a atrofia no decorrer do tratamento. Já o Meta Crill é um bioexpansor, com efeitos mais duradouros.