Título: O CHILE MAIS PERTO DE SEUS VIZINHOS
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 17/01/2006, O Mundo, p. 23

Após aproximação de país com EUA, Bachelet quer priorizar diálogo com América Latina

Ogoverno Ricardo Lagos já está sendo considerado um dos mais bem-sucedidos da História do Chile, e a pesquisa divulgada semana passada sobre sua popularidade (75%) veio apenas confirmar isso. Porém, há uma área em que muitos consideram que Lagos falhou e deixará para a presidente eleita no domingo, Michelle Bachelet, uma grande responsabilidade: os problemas diplomáticos com países sul-americanos. Por isso, um dia depois de sua vitória sobre o candidato direitista Sebastián Piñera, Bachelet passou boa parte das entrevistas falando sobre os problemas externos. Seu trunfo: ser representante do grupo mais à esquerda do Partido Socialista, o que poderia facilitar seu trânsito com governos esquerdistas como os de Hugo Chávez, na Venezuela, Evo Morales, que assumirá a Presidência da Bolívia semana que vem, e mesmo com o candidato nacionalista Ollanta Humala, líder nas pesquisas no Peru.

¿ Minha política externa vai dar uma grande prioridade à região, à América Latina e aos países vizinhos, e vou fazer todo o possível para construir mais integração ¿ disse.

Lagos, durante boa parte do governo, priorizou o relacionamento com os EUA e, mais recentemente, com a União Européia, deixando de lado, segundo críticos, a América do Sul. Nos últimos meses, governos como o da Venezuela e do Peru pressionaram o país, e movimentos populares que elegeram Morales têm como uma das prioridades obter saída para o mar, o que significaria alterar fronteiras chilenas. Ao ser perguntada sobre o pleito boliviano, Bachelet foi cautelosa.

¿ Estou disponível a um diálogo amplo, mas sobre algumas bases claras ¿ disse ela, que esclareceu que estas bases seriam os tratados internacionais que estabeleceram as atuais fronteiras. ¿ O presidente (do Chile) tem por dever garantir os interesses de seus cidadãos e de sua nação.

Uma jornalista peruana perguntou o que significam as compras de armamento realizadas pelo Chile ¿ quando Bachelet era ministra da Defesa ¿ para a região. A candidata, que por três vezes negou que o Chile esteja participando de uma corrida armamentista, afirmou que as compras foram feitas para substituir material bélico obsoleto.

¿ É preciso frisar que não há uma guerra fria. Pensamos em termos de cooperação e queremos um diálogo totalmente aberto ¿ disse Bachelet, que, num sinal de distensão, foi convidada por Morales a participar de sua cerimônia de posse, no dia 22.

Para o jornalista peruano Alvaro Vargas Llosa, em artigo publicado ontem no jornal chileno ¿La Tercera¿, a melhor opção para Bachelet é ¿jogar a carta Lula¿ na mesa. ¿Ela deve se aproximar do Brasil, único país que pode controlar os eventuais arroubos de Evo Morales¿, disse ele.

Bachelet lembrou que já conhece o presidente Lula pessoalmente, pois esteve em Brasília em 2004 como ministra da Defesa. Lula telefonou ontem à noite para a nova presidente para cumprimentá-la ¿pela expressiva vitória¿.

¿ Não tenho apenas apreço pelo Brasil e pelo presidente Lula, mas estudei no Instituto Chileno-Brasileiro de Cultura ¿ afirmou Bachelet, que fala português.

No front interno, a postura da presidente eleita foi mais radical do que nas últimas semanas. Após uma campanha distante dos partidos no primeiro turno ¿ quando anunciou que mudaria os rostos no Ministério ¿, no segundo teve que se aproximar da Concertação. Mas ontem, perguntada sobre a montagem do Gabinete, deixou claro que não aceitará pressões de políticos.

¿ Usarei de toda a liberdade que corresponde ao cargo para nomear aqueles que eu considerar que são as melhores pessoas ¿ disse ela, que confirmou a intenção de dividir meio a meio o Ministério entre homens e mulheres. ¿ Conversarei com todos, mas quem foi eleita pela população fui eu.

Ela afirmou também que pretende fazer um governo que, se não alterará as bases da ¿bem-sucedida¿ economia chilena, será mais ¿acolhedor e solidário¿ com a população mais pobre.