Título: Cenário positivo
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 18/01/2006, Economia, p. 20

O Copom vai reduzir os juros hoje e a queda deve ser de 0,75 ponto percentual. Os juros vão continuar caindo nos próximos meses, o que levará o país a crescer este ano mais do que no ano passado. O Bradesco está prevendo 3,8%; a MB Associados, que em 2005 acertou ao apostar em 2,5% no começo do ano, acha que será 3,3%. Há bancos estimando em 4% o crescimento.

A chance de que a economia melhore devagar ao longo do ano é grande. Nos primeiros meses, há sempre um aumento do desemprego, mas é sazonal. O emprego deve permanecer estável na média. O nível de atividade caiu em novembro de 2005 e a queda do emprego na indústria, divulgada ontem, é parte do mesmo fenômeno. Quando for divulgado o dado de dezembro, ele mostrará uma pequena recuperação. Os indicadores antecedentes, como expedição de papelão, volume de pedágio e produção de carros, mostraram que o número de dezembro será positivo. De acordo com a MB Associados, pode ser de 3,4% sobre novembro.

De qualquer maneira, 2005 terminou muito pior que o previsto. Uma das poucas consultorias que, no começo do ano passado, falavam num crescimento da ordem do que acabou acontecendo foi a MB Associados. Na época, foi considerada pessimista. Agora, prevê 3,3% para 2006; acreditando que o número pode ser maior dependendo do salário mínimo. A previsão é que a massa real de rendimentos vai crescer em 4,8%. Se o salário mínimo for de R$350, o aumento pode ir para 5,8%.

O ajuste externo que o Brasil fez nos últimos anos continuará sendo feito em 2006. No ano passado, apesar da queda do dólar, o país teve um resultado excepcional na balança comercial. Em parte, isso foi resultado do crescimento mundial. O mundo, em 2005, cresceu fortemente. Para um ano tão bom, o Brasil fez feio em crescimento econômico, mas não em saldo comercial.

Este ano, o mundo continuará crescendo, dando um empurrão no Brasil. Isso ajudará a manter a balança comercial, apesar de ela não chegar aos US$44 bilhões do ano passado.

Num relatório desta semana, o Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas do Bradesco projeta um saldo comercial de US$40 bilhões e afirma que a liquidez internacional deve continuar. ¿Portanto o cenário de sobra significativa de dólares no mercado deve se repetir em 2006. Isso deve contribuir para a continuidade do aumento das reservas internacionais e da redução da dívida externa¿, diz o estudo.

Em 2005, o Banco Central comprou US$21,7 bilhões, enxugando o mercado. No mesmo período, as reservas cambiais dobraram. Eram US$27,5 bilhões em janeiro e chegaram a US$55,6 bilhões. O governo brasileiro antecipou o pagamento ao FMI e ao Clube de Paris e ainda reduziu a dívida externa.

O ano passado foi mais um passo dado no ajuste externo brasileiro que começou em 99 após a desvalorização cambial. De lá para cá, o Brasil transformou déficit comercial de US$8 bilhões em superávit de US$44 bilhões; déficit em transações correntes de 4% do PIB em superávit de 1% do PIB; reduziu a dívida externa e acumulou reservas. Para se ter uma idéia, a dívida externa líquida sobre exportações caiu de 3,9 vezes para 0,96 vezes, como mostra o gráfico. É como se, em 99, o país precisasse de quatro vezes o que exportava para pagar a dívida externa, agora precisa de menos de um ano de exportação.

Este ano pode ser o da consolidação dessa caminhada. É certo que haverá os tremores da incerteza eleitoral, mas há vários fatores ajudando a manutenção de um ambiente positivo: o ajuste já feito, a liquidez internacional,o crescimento mundial e a força das exportações brasileiras.

Uma das boas notícias é que a inflação, pela primeira vez em dez anos, vai mudar a lógica. Antes, os preços administrados subiam sempre mais que os livres. Em 2006, vai ser o oposto. No ano passado, o preço administrado subiu 8,9%; para este ano, a previsão é de 4,2%.

A inflação deve ficar na meta e o mercado de câmbio tem uma boa chance de não ficar pressionado, apesar do ano eleitoral. Isso permite a queda da taxa de juros hoje e nas próximas reuniões do Copom. Não se imagina nenhuma queda forte decidida pela atual direção do Banco Central, mas os juros continuarão caindo nos próximos meses, criando um ambiente econômico propício.

O governo precisará se esforçar muito para atrapalhar um quadro tão favorável. Mas, acredite, ele é capaz de fazer isso. Uma das formas de atrapalhar um ano que tem tudo para ser bom e reduzir a confiança nas perspectivas do país é continuar criando despesas, principalmente as permanentes, alimentando um quadro de incerteza fiscal.