Título: LULA E SEU LABIRINTO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 19/01/2006, O País, p. 4
O presidente Lula não está com a menor disposição de ceder às pressões petistas para anunciar logo sua candidatura. Ele me disse, na noite de terça-feira, que usará todo o tempo de que dispõe, até junho, data limite para os partidos oficializarem suas candidaturas, para avaliar a situação política e econômica e tomar uma decisão. Enquanto não oficializa sua decisão, aproveita-se das brechas legais e sai pelo país a inaugurar obras, coisa que pode fazer até ser anunciado oficialmente candidato.
Naquela tarde, ele havia cometido um dos muitos atos falhos que os improvisos lhe reservam: ¿Em 2007 não estarei mais aqui¿, discursou Lula para uma platéia de reitores, deixando atrás dessas seis palavrinhas um rastro de especulações. Estaria anunciando que não será candidato à reeleição? Ou admitindo que perderá a eleição?
Talvez a segunda opção seja a mais próxima da verdade de seu subconsciente. Mas esclareceu que o que quisera dizer é que as políticas educacionais devem ser permanentes, independentemente de quem esteja no governo. De qualquer maneira, Lula parece condenado a ser candidato, como avalia o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mas parece também sinceramente dividido entre a conveniência política do PT e partidos aliados, e a sua própria conveniência.
Lula não chega a admitir isso claramente, mas não se incomoda de dizer que se o PT considerar que junho é muito tarde, que lance outro candidato logo. Ele sabe que o PT não tem alternativas, e tenta enquadrar seu partido para conseguir montar um esquema político minimamente organizado que possa dar sustentação à sua provável candidatura. Por isso, por exemplo, quer que o PT desista de apoiar a verticalização, para abrir espaço para que outros partidos, e até mesmo outros grupos políticos, o apóiem sem constrangimentos legais.
Ele já desistiu de ter o PMDB como parceiro oficial na chapa, mas ainda sonha com o apoio de muitos caciques do partido, mesmo que, como tudo indica, o PMDB vá escolher o caminho da candidatura própria. Lula acha impossível qualquer candidato ter o apoio integral da máquina partidária peemedebista, e toma como exemplo dessa impossibilidade a candidatura de Ulysses Guimarães: ¿Se abandonaram o velho Ulysses, como não vão abandonar o Garotinho?¿, pergunta ele.
Garotinho, aliás, é um ponto de interrogação na estratégia de Lula. Alguns assessores seus, entre eles o articulador político Jaques Wagner, consideram que seria até bom para a candidatura de Lula que Garotinho conseguisse a legenda do PMDB, pois praticamente estabeleceria a necessidade de um segundo turno, e levaria à união de PT com o PSDB num eventual segundo turno se, em vez da polarização prevista, um deles for para a disputa contra Garotinho.
Ironicamente, a ameaça de vitória de Garotinho poderia vir a provocar a necessidade de união entre PT e PSDB, partidos de origem na social-democracia que hoje são os maiores adversários, mas que já estiveram unidos em muitos momentos políticos. Ainda hoje, embora admita que é praticamente impossível uma união no ambiente radicalizado em que será disputada a próxima eleição, Lula, apoiado por alguns de seus principais assessores, ainda considera que essa seria a solução para a política brasileira.
O exemplo é a Concertación, coalizão que governa o Chile desde 1990. O bloco de centro-esquerda, integrado por democrata-cristãos, socialistas, social-democratas e radicais, completará assim 20 anos no poder com a eleição de Michelle Bachelet. Enquanto vai fazendo as avaliações políticas, Lula vai revelando quais são seus receios, e anseios, para concretizar a decisão de sair candidato à reeleição.
Ele reafirma que é contra a reeleição, e diz que cada vez que conversa com governadores que se reelegeram se convence mais de que um segundo mandato nunca é tão bom quanto o primeiro, a começar pelo desgaste que o governante sofre, junto ao eleitorado e pessoalmente: ¿Perguntem ao Jarbas Vasconcelos, ao Jorge Viana, ao Requião, qualquer um vai dizer que é muito desgastante¿, insiste Lula.
Ele simplesmente não faz comentários quando entra na conversa a possibilidade de enviar um projeto ao Congresso acabando com a reeleição e aumentando o próximo mandato para cinco anos, sem se recandidatar, mas tudo indica que o melhor momento para tal decisão já passou. Como todos os assessores mais próximos, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ecoando o pensamento generalizado no Palácio do Planalto, diz que isso poderia ter sido feito logo no primeiro ano, mas que agora não há mais ambiente político.
Lula garante também que não se preocupa com o tempo de televisão que terá sem uma coligação com o PMDB. ¿Para mim, cinco minutos pela manhã e mais cinco à noite são suficientes. Mais que isso só serve para marqueteiro ganhar dinheiro¿, diz Lula. Confrontado com o fato de que no dia anterior ocupara uma rede nacional por dez longos minutos para fazer propaganda de seu governo, o presidente sorriu marotamente e brincou: ¿É que fazia muito tempo que eu não falava¿.
A economia é parte especial da estratégia eleitoral de Lula: ¿Eu preciso ter certeza de que a economia tem uma tendência boa para os próximos anos¿, diz ele. A outra preocupação de Lula é quem será seu adversário direto no PSDB, se Serra ou Alckmin. Em nenhum momento demonstra que sua decisão depende da escolha, mas comenta com especial atenção a possibilidade de o prefeito de São Paulo, José Serra, vir a disputar novamente a Presidência:
¿Se ele sair da prefeitura sem ter tido tempo de fazer nada, será muito ruim para sua carreira política¿, avalia Lula, para quem Serra, se não for indicado pelo PSDB para disputar a Presidência, pode sair assim mesmo para se candidatar ao governo de São Paulo.