Título: Preço a pagar
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Fonte: O Globo, 19/01/2006, Opinião, p. 7

Omodelo de federação traçado na Constituição de 1988 conserva arestas até hoje ¿ principalmente na divisão de tributos. Há também áreas de conflitos específicas entre os chamados entes federativos. Uma delas é o setor de saneamento, em que estados e municípios costumam se engalfinhar nas regiões metropolitanas. O Estado do Rio de Janeiro, a cidade do Rio e o Executivo federal, por sua vez, têm uma trajetória peculiar de desencontros. E desastrosa para os cariocas.

Por ter sido o Rio capital federal, antes disso sede do Império; ter passado pela experiência de cidade-estado e depois ser convertido a simples município, a superposição entre organismo públicos na cidade, e os curtos-circuitos que isso provoca, chegam ao absurdo.

E quando os interesses eleitorais do governador se chocam com as aspirações do prefeito e do presidente da República, sobe o preço pago pelo carioca em termos de deterioração dos serviços, descaso com o meio ambiente etc. A lista de disputas prejudiciais à população é quase infinita.

O caso mais recente é o das gigogas, planta aquática que prolifera como praga em águas poluídas por esgoto. Por isso, ela tem na Lagoa da Tijuca, na Barra, um habitat perfeito. Vale registrar: o esgoto é despejado nessa e em outras lagoas da região porque estado e município não sanearam a tempo a Barra, o Recreio e Jacarepaguá.

A forma como a questão dessas plantas tem sido enfrentada é um emblema da confusão institucional: a decisão da empresa municipal (Comlurb) de soltá-las das barreiras estendidas na lagoa poluiu as principais praias da cidade; e quando o estado (Serla) foi recolocar as barreiras, o município sonegou o uso de sua infra-estrutura no local.

Mas não há mocinhos nesse faroeste. Ou melhor, estado e município se alternam nos papéis de xerife e bandido. Como mostra a crise das gigogas, nunca se pode confiar que estado e município venham a se sentar e executar, com sucesso, um plano contra qualquer problema. Isso só acontecerá quando o interesse público deixar de ser mercadoria escassa na vida política.