Título: BAIXA DE JUROS AINDA DECEPCIONA
Autor: Patricia Duarte, Vagner Ricardo e Ronaldo D'Ercole
Fonte: O Globo, 19/01/2006, Economia, p. 21

BC reduz taxa básica em 0,75 ponto percentual e continua alvo de críticas do setor produtivo

Na segunda reunião mais longa desde 2003, com quase cinco horas, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem, por unanimidade, reduzir em 0,75 ponto percentual a taxa básica de juros, a Selic, que passa a ser de 17,25% ao ano agora, voltando ao nível de novembro de 2004. Para especialistas, a decisão veio baseada no controle da inflação e nos sinais de que a economia não está se recuperando como esperado. Mesmo assim, o Banco Central (BC) reforçou que ficará atento ao comportamento dos preços e indicou que a estratégia de redução, iniciada em setembro passado, pode ser alterada.

Apesar de o corte ter sido mais agressivo, uma vez que nas últimas três reuniões ficou em 0,5 ponto cada, a interpretação é de que a autoridade monetária manteve o mesmo ritmo de redução da Selic.

¿ A decisão do Copom não pode ser vista como ousada por causa do novo calendário (de reuniões). Pode-se dizer que o ritmo dos últimos meses foi mantido ¿ afirma o economista-chefe da consultoria Tendências, Roberto Padovani.

Este ano, o Copom passará a ter reuniões a cada 45 dias, em média, e não mais todos os meses, como foi até 2005. O próximo encontro acontecerá nos dias 7 e 8 de março. Com isso, o corte um pouco mais agressivo de agora pode indicar a manutenção da tendência, uma vez que a autoridade monetária teria ¿adiantado¿ parte do corte que viria depois. A redução de 0,75 ponto percentual era esperada pelo mercado, já havia mostrado a pesquisa ¿Focus¿, do próprio BC, desta semana.

BC diz continuar atento à inflação

Em nota oficial, o BC informou que vai ¿acompanhar atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na estratégia de política monetária implementada em setembro de 2005¿.

A continuidade da estratégia de reduzir a Selic, avaliam os especialistas, vem também das indicações de que a economia se recupera mais lentamente depois de o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas do país) ter encolhido 1,2% no terceiro trimestre de 2005. Uma delas é o crescimento do setor industrial de novembro, apurado pelo IBGE, de 0,6%, a metade do esperado pelo mercado. Isso reduz o risco inflacionário para o ano, cuja meta do governo é 4,5% para o IPCA.

Os especialistas, de modo geral, calculam que o índice ficará muito perto da meta neste ano, apesar do repique de preços visto recentemente, sobretudo por causa de alimentos e educação. O economista-chefe do ABN Amro, Mário Mesquita, destaca que esses aumentos são localizados:

¿ Nós vemos mais espaço para continuar cortando (a taxa de juros), sobretudo por causa da atividade econômica.

Para o economista Joaquim Eloi Cirne de Toledo, da USP, a decisão do Copom deve ter efeito nulo nas atividades produtivas. Segundo ele, uma eventual retomada da economia no segundo trimestre ainda será reflexo da queda da Selic iniciada em outubro. A queda de ontem só será sentida a partir do início do segundo semestre do ano ou em outubro.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, considerou o corte de juros ¿muito modesto¿. Ele destacou que, na verdade, houve manutenção no ritmo de redução por causa do novo intervalo entre as reuniões.

¿ O Brasil precisa aproveitar certas janelas de oportunidade para garantir taxas de crescimento mais altas em 2006 ¿ disse.

Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIesp), Paulo Skaf, disse que a medida põe em risco o desempenho da economia este ano, depois da pequena expansão em 2005:

¿ Economia de sucesso é aquela que, com sua obsessão pelo crescimento, multiplica empregos, gera renda e amplia oportunidades. Esta não é, certamente e infelizmente, a obsessão do Banco Central.

A Federação das Indústrias do Rio (Firjan) divulgou comunicado em que afirma que o nível moderado da atividade econômica e as expectativas de inflação permitiam uma redução mais intensa dos juros.

O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, considerou o corte inexpressivo.

¿ A falta de perspectiva para o setor produtivo, sinalizada com essa inexpressiva queda, vai comprometer as negociações salariais do primeiro semestre ¿ afirmou.

Para o presidente da Federação do Comércio do Rio (Fecomércio-RJ), Orlando Diniz, o corte mostra que o BC iniciou 2006 mantendo uma política excessivamente cautelosa.

Pouco impacto para o consumidor

A queda na taxa não causará grande impacto no crédito ao consumidor, segundo cálculos da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Com a nova Selic, a taxa média cobrada das pessoas físicas deve cair de 140,58% para 138,98% ao ano, o que representa queda de 0,79%. Para as pessoas jurídicas, a taxa média passará de 68,04% para 66,88%, uma diferença de 1,36%.

Ontem, Bianca Maria Firpo Sampaio, assistente de gerência de hotelaria, percorria financeiras e bancos no Centro do Rio em busca de um empréstimo de mil reais. Mas decidiu adiar a contratação, assustada com os juros elevados da operação:

¿ Dependendo do prazo, você paga quase o dobro.